quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O monte

Os teus pés tão feios mas por isso mesmo belos e as tuas costas que me provocavam confusão e amor. No tempo em que os teus olhos podiam ser tanta coisa lembras-te quando mentíamos um ao outro? O tanto que mentimos que eras grande e eu segura lembras-te quando fingimos que queríamos as mesmas coisas quando nunca quisemos? Eu sei que tu não eu sei que tu não. De todas a coisas que esqueci a cidade que não me disseste olha esta é a cidade dá-me a tua mão eu mostro-te a cidade. O teu monte. Diz-me, quem te arrancou o coração do peito à dentada quem ao mesmo tempo de atravessou a direito com coisas certas, não viu isso porquê? Cala-te. Agora, cala-te. Esquece as flores.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Lado C

Há coisas que não posso dar, dizer, sentir. Não porque te pertencem a ti. Pertencem-me. Eram a minha casa e a minha razão. Tu não sabes. Nem tu. Então, quando suavemente percebes sítios de mim, encontras um lado sim e um lado longe. Até as palavras, que as digo, sem as poder dizer e digo-as. É como se matasse. Também morro. Farás o mesmo. Fizeste o mesmo. Não ficas a meio da frase atravessado por dores? Só quando me rio é que te esqueço. Não me lembro (já) de me rir. Tu és o bom, nós somos maus. Somos maus? Eu sou.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

janeiro

Eu lavava-te o cabelo comprido com anéis de promessas. Éramos crianças e não sabíamos que vivíamos o último amor antes de crescermos. Nesse tempo tão tão distante o pai ainda era vivo e tu alcançavas o sonho. As tuas paredes ainda tinham desenhos e seríamos belos para sempre. Não faltava nada. Tempo. Desejo. Possibilidade. Encanto. Sobrava tudo. Medo. Ciúme. Ilusão. Éramos crianças e vivíamos a última vez antes da noite dos caixões abertos e das palavras que dizem nada nada nada nada nada nada. Eu tinha sapatos de salto alto vermelhos que entretanto se gastaram e um vestido encarnado hoje velho como nós. Tínhamos tudo. Mas éramos crianças e vivíamos o último amor. "Will you still love me when I'm no longer young and beautiful?"

domingo, 27 de outubro de 2013

23h15

Tão bom por não ser pecado e ser leve e não tão fundo tão bom por ser longe longe e morno e ser como amor a fingir. Tão mau por ser a custo e a preço alto por lembrar coisas e não ser igual ensaiar gestos e logo os desfazer para ser outra coisa e afastar a memória do mais profundo. Tão mau ser só agora por agora. Por hoje. Por tudo o que ainda aqui está.

3h45

Agora que sou um fantasma tranquilo, as tuas mãos no meu corpo sabem a coisas normais sabem bem e isso é tudo (o meu amor era tonto). Subo pela rua e não ficas à janela a ver se está tudo bem a gostar um bocadinho mais de mim só acompanhamos com o olhar aqueles pelos quais ainda guardamos esperança (o meu amor era tonto). Quando discutimos e discutimos tanto e já nem sequer pelas mesmas coisas antes sempre e só pelo facto de ainda existirmos, não fico triste afasto a tua voz e penso nas compras ou olho para o relógio na roupa por estender (o meu amor era tonto). Sei hoje que se te dissesse e não vou dizer que te amo seria tão estranho como combinarmos um jantar e tu apareceres agora quando não vens penso só o que fazer com o que descongelei em excesso como aquilo que esperei de ti (o meu amor era tonto). Não penses que não sinto que te traí sinto uma culpa qualquer. Do meu amor tonto (o meu amor era tanto).

sábado, 26 de outubro de 2013

Tudo bem

já me partiste o coração como se partiu o vidro do carro puff pedaços minúsculos de vidro a explodirem na minha cara estupidamente eu sem perceber a roupa o volante o banco as botas tantos vidros até dentro do peito o horror que não é ainda dor (demora mais a perceber-se). Por isso é que agora que tudo se tem vindo a partir com ainda maior frequência eu fico apenas rendida e aceito. Aceito que o tecto desabe. Aceito que tudo seja silêncio. Aceito que não sejas só tu. Nem eu. Fecho os olhos é como se soubesse que depois deste vidro deste tecto deste carro deste dia desta ausência destas palavras deste muro e deste buraco deste deserto aceito que nada seja melhor outra vez. Aceito sem me lamentar já sem ir viver de outra maneira a esbracejar a espernear tantos coices que eu dei e nada. Aceito que é o que fazemos depois do fim.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Claro

Numa nesga qualquer reencontrámo-nos combinámos coisas bonitas amenas ainda a medo devagar com jeito e cuidado e claro que a vida logo tratou de espatifar tudo há placares de perigo em tudo o que fazemos há buracos zonas sem rede coisas estúpidas. Por nada nada se resolve por tudo tudo se complica. Deixou de ter piada. Já não me apetece rir. Eu também tenho uma cama e um fogão e muitas outras coisas que agora já não sabes quais são.

sábado, 19 de outubro de 2013

OK

Então desisto. Ganhem todos já não quero ganhar não me interessa a justiça fiquem os maus os cínicos e prepotentes os que não sabem mas fingem saber os que mandam fiquem esses a mandar. Não vou responder aliás nem vou sequer, calada, continuar a combater. Senhores, quero lá saber, desisto se isto das coisas que sei afinal nada valem agora também não vou para a rua gritar desisto desisto desisto. A mim não me apanham com faixas nem com lágrimas não vou aviar receitas de anti-depressivos porque isso ainda seria combater. Não sirvo para prisioneira de guerra. Vou desistir da maneira invisível até que me apague existem alturas em que nos temos de resguardar. Resguardo-me. Não vou contar aos amigos combinar cafés saídas e livros para esquecer. Não se esquece. O que esqueço, agora, é o corrector. Não me apetece esconder o cansaço o sono e a infelicidade. Desisto como quem já não se importa se chove ou se faz sol. Se chover depois lavo o cabelo se transpirar é pior mas tão cedo não chega o calor. Não há melhor estação do ano para desistir. Fiquem com tudo até comigo.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Beleza

Existem mãos que nos fazem bonitas como se transformassem a nossa pele em milagres hoje que é outro dia as minhas pernas são só as minhas pernas e têm mais anos do que a verdade os meus braços servem para carregar coisas às vezes quando lhes passo creme fico espantada por continuarem aqui assim como o meu cabelo. Existem mãos que nos suavizam o cabelo andamos na rua e somos melhores. Os gestos que se repetem no banho é como a vida inteira pesada em cada movimento e quando olhamos para o espelho baças e desencontradas percebemos que a beleza a coragem a força herdamo-las dessas mãos que desaparecem. Até quando existiremos nós?

domingo, 6 de outubro de 2013

Filme

É uma estranha sensação descobrirmos que somos nós os maus da fita. É um bocadinho cómico e um bocado trágico afinal não queremos ser sempre dos bons? Sou a má da fita. Nada a fazer.