sexta-feira, 29 de março de 2013

É assim

Sou a pior. Tu sabes. Não te faço feliz. Não me fazes feliz. És melhor, porque precisas de menos e eu preciso sempre de mais. Podia dizer que não tenho culpa. Mas tenho. Não me acostumo. Aterrorizo-me com o costume nessa medida igual em que o desejo. Se ainda não me encontrei, como queres que te encontre? Dorme comigo esta noite e a seguinte trinta dias seguidos que haverei de descobrir que não era isso. Sou a pior. Tu sabes. Por momentos, durante algum tempo, julguei que me fosses ensinar isso de esperar e do "logo se vê" e de adormecer sem um vulcão no peito. Não sei. Nunca soube. Sou a pior, mas, acredita, não estou zangada contigo.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Fogo

Quem tem um fogo no peito, tem sempre um fogo no peito. É a criança que se atira da árvore e que cai em cima das urtigas e, ainda assim, volta a subir à árvore, na esperança de que dessa vez arda menos. É o velho que usa laço para ir à mercearia e que dança mais devagar, mas dança. O fogo de que somos feitos não se extingue. Nascemos com ele, morreremos com ele. Temos pena, é certo. Todos os desamores. Tantos poemas. E mesmo quando se acabam as juras, sentamo-nos ao lado e estarmos ali é um compromisso de honra. Quem arde, arde sempre. Na fúria e no amor. Faz parte. Quando decidiram que iríamos ter cabelo louro e olhos verdes, quando as células se multiplicaram e os genes ditaram os dedos dos pés e o sorriso de esguelha, ditaram-nos também esse fogo que uns chamam Inferno e outros compreendem. Os que ardem, ardem sempre. Resta esperar. Ou não. Viver em fogo afasta-nos das sombras.

domingo, 24 de março de 2013

Demoramos muito tempo a recuperar a fé, quase o mesmo, mais um pouco do que o tempo que levamos a perdê-la. Não se perde a fé num instante, não basta um golpe, vai-se perdendo, como sabem. Não nos apercebemos, mas a fé vai encolhendo, até que nos damos conta que se foi inteira, quando precisamos desesperadamente de acreditar e não encontramos esse caminho. É assustador perder a fé, leva tanto tempo, há quem nunca a perca e isso é tão bom. Quando se perde a fé o mundo é um lugar perigoso, mas nós somos o mal pior. Perder a fé é perder-mo-nos de nós mesmos, balbuciamos coisas e já não acreditamos sequer no passo à frente do outro. Tudo o que acontece é um acidente. Em perfeito desequilíbrio, caímos a pique. Rolam cabeças, amores, amizades. Não sabíamos, mas era a fé que nos segurava. Demoramos muito tempo a recuperar a fé, quase o mesmo, mais um pouco do que o tempo que levamos a perdê-la. E como um balão, à medida que vamos soprando ar, algo dentro de nós se esvai, não sei se a juventude, não sei se a ingenuidade, mas acho que ainda que a recuperemos de novo, é outra fé, uma melhor até, mas uma nova. E é por isso que, às vezes, vivemos muitas vidas num instante.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Milagres

Há milagres escondidos debaixo das pedras, é preciso virá-las ao contrário. Se reparares bem, no meio de uma frase, há uma palavra que é para ti e que pode mudar a tua vida. Eu vivo ainda embrulhada em dilemas à procura das respostas tudo me faz confusão ainda é tudo uma grande amálgama de emoções e ainda assim. Ainda assim. Pedaços breves de esperança. Olhos bonitos, um banco de jardim vazio quando tudo te dói, o telefone em silêncio quando não apetece uma palavra atrás de outra palavra. O que nos salva, no meio das ruínas, o que nos salva? Os milagres debaixo das pedras. As palavras que são para mim e que irei ouvir.