segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Sortuda

A sorte que eu tenho é achar que tenho sorte. Não há segredo. Nem tenho sorte nenhuma e, no entanto, tenho toda a sorte do mundo. A sorte dos teus olhos serem verdes verdes e saltarem para dentro do meu peito toda essa meiguice que não há igual. Não há igual meu pequeno. Há quem fale em estrela "a estrela que tu tens". Qual estrela? A sorte que eu tenho é acreditar em estrelas em coisas que "pum" vão e acontecem, em clarabóias quando, na verdade, é só uma telha de vidro. A sorte que eu tenho é um palhaço pobre mas é inteiro, uma bailarina de uma perna, um sorriso sem um dente. Mas é uma sorte danada. Então toda esta sorte invisível e inexistente de tanto não ser, é. "Joga, que tens sorte" e depois não percebem porque não jogo. A sorte que eu tenho está cá dentro, é o que me faz abrir os olhos pela manhã e acreditar em poesia, não ter medo, vestir roupa esquisita. É uma ingenuidade e é por isso que eu tenho toda a sorte do mundo e uma estrela.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Norte no Sul

No Norte, quando se ama, acaba tudo. Começa tudo. Nunca mais esqueceremos. No Sul nada acaba de repente, há mais maneiras, uma forma diferente de nos encontrarmos e de nos deixarmos. No Norte somos todas rapazes. Há um brio qualquer, uma razão secreta para não haver cavalheirismos. Somos iguais e então é uma guerra. No Sul que parece tão fácil é sempre tudo mais difícil. Se nos arrebatam, estamos doidos, se somos nós a arrebatar, estamos doidos. É assim e eu sei que não é por mal. No Norte matamo-nos, matamos, fazemos um pé-de-vento, há sempre confusão nas estações de comboio. E bêbedos, muitos bêbedos. Metade delas, das bebedeiras, por causa deles. Dos amores partidos. No Norte, uma senhora tem sempre um rasgo de aventura escondido no peito, o Norte é duro, torna-nos duros e desvairados quando amamos. No Norte ama-se tudo, a família tonta, os ricos e os pobres são histórias que se contam casa sim e casa não. No Norte, onde tudo importa, tudo se aceita. Comem-se tripas. Mas no Sul não. No Sul apaixonamo-nos mais vezes e quando damos conta fomos levados. É do calor. E não era assim tão importante. Quando, no Sul, um amor nos arranca do chão, esse é o único. E lembramo-nos do Norte: violento e terno, como todos os grandes amores.