sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Depois

Não quero ser pequenina e mesquinha e poucochinha. Não quero ser para baixo olhos de carneiro queixume fácil sorriso torto testa crispada lágrima pronta não quero ser "a mim nunca vai acontecer" bem longe de "eu nunca tenho sorte". Não quero ser idiota fraca rezingona doente de nada encurvada de tudo nem quero ser preguiçosa queixinhas molenga chega para aqui o aquecedor pele baça olhar mudo dentes cerrados. Não não e não. Eu quero ser alta do tamanho dos meus sonhos da minha vida grande como gargalhada sábia como uma avó deslumbrada como uma criança quero rir de manhã à noite e rir quando não é para rir quero ajudar quero estar lá. Fazer alguma coisa. Fazer alguma coisa. Poder mudar de fora para dentro de dentro para fora. Desarrumar tudo ter uma escada que chegue ao tecto onde estão todos os meus livros. As palavras são o meu céu e é lá que durmo este é o meu fio puxo-o devagar, o caminho, tantos que o disseram, é feito ao andar.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Dia mau

Há alturas em que os pedregulhos são tão grandes que não sabemos se vai ser possível, dentro de nós do que somos feitos esta fibra e esta cal esta cara de ferro que temos os que já perderam tudo os que começaram logo a perder já nem sequer perguntam, empurram os pedregulhos arrastam mas as pernas estão fracas. Na esquina, hoje encostei-me a uma esquina. Se alguém passasse ali podia cair no buraco que eu era na desolação do meu peito tenho saudades de não ter medo de ter os dias a correr na ponta dos dedos tenho saudades dos assentos dos comboios, de chocolate quente,de paz. Não sei o que é ter paz e isso não quer dizer que viva em guerra. Quero a paz de não me encostar a uma esquina e a rua ser menos triste do que eu.

Siêncio

Ser amado é viver dentro de uma bolha, nada nos pode atingir, faz ricochete. Mesmo que em farrapos dores tantas e outras misérias caminhamos na rua e nada eu digo nada nos pode derrubar. Os pais que amam, as pessoas que escolheram amar-nos. Esta sorte. Esta desgraça quando a bolha se rebenta e começamos a ter medo. A falta de amor condenou isto tudo. Andamos uma vida inteira à procura de coisas que existem dentro de nós.

domingo, 4 de novembro de 2012

Insanidade

Ligam-me e contam-me coisas tristes histórias ainda mais tristes maldades em todo o lado. Os medíocres transformaram-se em desonestos os inúteis em fantasmas. É assim que estamos. Os que podem fogem e já nem o amor nos salva. Já nem o amor nos salva. O amor está encalhado na dificuldade que é tudo quando só o amor nos podia salvar. Olho para o lado e acho que ninguém entende. Ninguém percebe que o que me revolta na miséria, para lá da fome, é a total ausência de princípios. Antes de chegramos à fome já nos transformámos em coisas nojentas, humanos que não se reconhecem. Neste vale tudo perdeu-se tudo tudo: dignidade, amizade, respeito, humanidade. A mão que lavava a outra mão está podre, só serve para empurrar. Quero e nada posso. Chegámos ao tempo em que desatámos a falar línguas diferentes. Temo nunca mais conseguir adaptar-me a esta insanidade.