quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Táxis

Acredito nos táxis tal como acredito no amor. Os táxis lembram-me sempre beijos e risos. Chegávas de táxi e antes de seres em mim já eras na rua. A luz verde que te trazia e que acendia em mim toda a esperança. Gosto de táxis na minha rua. São promessas finais felizes gente boa amigos são dez minutos depois cama e descanso são três dedos de conversa são idas e vindas para e de lugares felizes. Sempre que passa um táxi aqui eu acredito em milagres e recompensas. Como se fossem naves e dentro deles viajasse o futuro. Ou apenas um beijo. O futuro pode valer isso. Hoje vi um táxi da minha janela. Na noite, a luz verde ao fundo. E eu sorri.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Menos

Desilusão. Ele lembrava-se de tudo. Desilusão. Do piano. Queria falar-te das saudades e só conseguia puxar-te a carne. Desilusão. Não o viste, a falar do tempo? A querer dizer tudo? A lembrar-se? Desilusão. O sorriso torto, meio atravessado, os olhos gigantes a não entenderem a razão das coisas. Desilusão. De repente tinhas ido. Os olhos dele, grandes. Desilusão. O tempo. É isto o que o tempo faz.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Levanta o braço

Despede-te de nós. Sabes que já vimos partir sem um beijo um adeus uma palavra uma coisa qualquer sabemos isso de cor fomos ficando aqui enquanto tudo deixava de existir até sermos o centro do mundo um do outro. Demos as mãos e saltámos para o escuro. Ao menos, despede-te de nós, não nos deixes aqui à beira do passeio e da vida diz qualquer coisa que seja mais do que as tuas costas e o teu passo rápido. Em suspenso, chamámos-te do final da rua e tu és a certeza maior, porque estás com pressa. Nós que saltámos de mãos dadas no escuro, pensámos que não ia ser assim. Deixámos-te entrar no nosso círculo tinhas uma cadeira e um coração tinhas mais do que um par de braços oferecemos-te lugar rimos contigo e nunca te fechámos a porta. Partilhámos o pão e o molho o riso e a lágrima e tu saltas o passeio e quando damos conta estás do outro lado da estrada. Esqueceste-te de te despedir de nós. Esqueceste quase tudo. Levanta o braço, olha-nos nos olhos e diz adeus.

domingo, 26 de agosto de 2012

Vertigem

Inclina o isqueiro dizes tu inclina o isqueiro talvez já estejas irritado porque não me lembro de inclinar o isqueiro se nem disso me consigo lembrar pensas tu como me poderei lembrar eu de coisas tão mais importantes. Inclina o isqueiro juro que houve um momento em que pensei que fosses perguntar-me qual é o meu problema qual é a dificuldade que tenho em acender um cigarro. Estou a falar contigo, não percebes? Como é que inclino a minha vida e um isqueiro ao mesmo tempo?

sábado, 25 de agosto de 2012

Filho (mãe)

Quando decidi ser mãe, quase todos me olharam estranhamente. Não era muito nova, mas tinha tempo. Tinha tanto tempo. E queria ser mãe assim. O meu filho aconteceu-me, é verdade, não foi planeado, mas eu tenho a certeza absoluta que o meu filho tinha de ser. Exactamente este meu filho. Eu, que nunca sonhei com casamentos véu e grinalda eu que sempre fui independente e fugi de dependências decidi isto de ser mãe com o coração, que é a única forma de se decidir com razão. Claro que ouvi conselhos, ouvi de tudo, enquanto um sorriso me torcia a boca e eu amava já essa aventura eterna. Não sabia nada. Não sabia nada de nada. Mas suspeitava. Nunca fui tão feliz nunca vivi tão apaixonada. Nos piores dias e às vezes são maus de breu, olhar para este meu filho é olhar a mais bela verdade, a minha razão mais certa. Ele sabe disso. Sabe mesmo. Quando somos obrigados a ficar longe, às vezes pego no carro, fujo e vou vê-lo. Vou ouvi-lo respirar. E sossego. Quando ele não está, uma parte de mim está assim no sítio onde ele estiver. Quando me dói tudo muito só preciso de o abraçar com força. Fecho os olhos e lembro-me do dia um que se repetirá até ao último. Gosto de ser mãe de dizer filho. Enche-me a boca e o coração.

Superficial

Faço passar a mesma linha pela agulha e encosto a camisola inacabada junto ao peito e há quem tropece em novos novelos de lã. Impunemente. Porque impune é a vida. Vivemos todos impunemente até ao dia em que nos são cobradas as respectivas dívidas. Eu que afinal não falhei tinha aqui as agulhas pousadas. Dentro da minha casa, que é pequena, um imenso espaço ocupado. É preciso esvaziar e romper. E não ouvir, sobretudo, o som das agulhas, sozinhas, a construirem uma camisola de nadas. Como se fosse tão simples existirem novelos de lã, de outras cores, a rolarem pelo corredor, a entrarem na vida. Como se isso não fosse algo inteiramente novo. Nada assim tão nobre. Apenas o mais vulgar de nos enchermos de um riso alheio e superficial. E as minhas agulhas, compridas e finas, que puxam os fios directamente do coração. Essas minhas agulhas, tontas e ingénuas, a tricotarem, sozinhas, novelos cheios de nós.

Bem querer

Enquanto os teus dedos dedilhavam a guitarra, para lá da janela uma noite emprestada, a minha alma descansava no copo de vinho tinto. Tanto que somos, tanto que somos. As nossas ideias a voarem no espaço, eu a ser eu, tu a seres tu, e lá fora, depois da janela, um momento emprestado. Doce. Terno. Como as tuas mãos a acariciarem um instrumento que não é teu. Como eu, a olhar o que não me pertence. Com desprendimento. Até. Ao momento em que sei que a noite emprestada e que o momento no meio da vida é isso. Tudo o que eu não sei. Sobretudo aquilo que já não sei. Não, meu amor, não te quero levar para casa. Hoje não. Também não sei o futuro. Sei o que sempre soube. E talvez seja pouco para segurar um mundo de dúvidas e de gente que não quer que caminhemos juntos. O que eu quero realmente está depois das palavras nos intervalos do que te dói, do que me dói. A lembrança cristalina daquilo que somos. A verdade. É uma escolha. No final de tudo o que se diz, será sempre uma escolha. Do meu lado, a música, um rio, uma fotografia do passado, o teu nome. Do meu lado muitas noites violentas de dores irreproduzíveis. De coisas inauditas. As minhas pernas que num certo momento num determinado lugar do tempo foram demasiado fracas. Do meu lado o teu nome. Até. Que a vida continue. Ou que a luz volte à estrada.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Crescer

Do tanto que quis para ti, talvez só metade. Muitas linhas se entortaram. O que fiz certo tanto que fiz incerto outro que não sei. Não respondas isso. E essa pergunta não. Também te digo, às vezes, filho. Tens tempo para conhecer o âmago da dor. Dá-me tempo, a mim, para saber mais. Para te ensinar melhor. Não te conto tudo porque existem coisas que ainda te estão vedadas. Ainda bem. E porque sei que sabes mais do que aquilo que todos suspeitam. Eu sei, miúdo. Vieste de dentro de mim. Sei tudo de ti e mesmo que te ponhas a dançar como o Travolta no Pulp Fiction e mesmo que empregues palavras caras e complicadas para descrever coisas simples eu sei o que tu és aí por dentro. Vejo-te para lá da carne. E da piada. O meu amor por ti é esse amor não cego: tenho de te ver para te ajudar. Onde erras, dizer-to. É isso que as mães fazem também. Se tivesses as orelhas saídas, eu saberia. E, se fosse preciso, víamos disso. Quando chegasse o tempo. Se te nascer um sentimento torto, conta comigo também. Não conto com a tua perfeição, olha bem para mim, não te exigo nada a não ser a grandeza de seres o melhor que puderes ser. E para isso, o tanto que já te peço. Olha para mim de novo, que eu conheço esse feitio torto, não me vergues nessa força dos teus 5 anos, tens toda a força do mundo, acreditas em super-heróis. Olha bem para os meus olhos: amo-te para lá de tudo (já sei mãe, não revires os olhos), mas serei a primeira a perguntar-te porquê. Estamos conversados? (Então dá cá um abraço).

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

"it's crazy, i'm thinking, just knowing that the world is round"

Porque os candeeiros se vergavam à nossa passagem não havia estrada deus direito ou condição que nos fizesse frente. Que nos impedisse. Porque estava tudo certo a pele queimava um vulcão certeza urgência mas era a alma que, tal como os candeeiros, se debatia em vénias à nossa passagem. Por isso, fizemos tudo mal. Enquanto o mundo, fora de nós, assistia ao que não era costume, não explicámos. Dissemos algumas palavras. Talvez paixão. Talvez sorriso. Talvez beleza. E não explicámos que a energia nos tombava e que nos aproximava. Contra tudo aquilo que era suposto. Um de cada lado do Mundo. Opostos, que corriam tão rápido um contra o outro e que paravam segundos antes das faces se chocarem até que não fosse necessária uma única palavra. Então, não explicámos aos que nos viam. Então, ninguém entendeu. Começaram a temer-nos. Começámos, nós, a ter medo. E mesmo quando as águas vieram e trouxeram o lodo que nos encheu de mágoa e de dor, de arrependimento, sempre que emergimos, emergimos de mãos dadas. Inacreditável. Temeram-nos ainda mais. O medo cresceu. Ficámos tão pequenos, os candeeiros choraram uma luz ténue e adormeceram em estado de sobressalto.

Eu sei

Há tanto amor aqui. Sempre houve. Vejo amor em todo o lado, sei disso, debaixo da pele e em cima da mesa do café, debaixo de tudo aquilo que enfim. Enfim não. Nunca. Se há tanto amor aqui. O que falta para que vejam que há tanto amor aqui? Que, agora, não há amor aí? O amor não chega? Amor é pouco?

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

...

A desilusão é uma doença. Estranha, estranha doença. A esperança pode ser uma censura constante. Iremos esquecer pormenores importantes de toda esta história porque, em um certo ponto, deixámos de a contar como ela é. Como se a sente. Passámos a vê-la como todos os outros: de fora. A desilusão é uma cobra que sibila. O mais importante de tudo o que aconteceu foi tudo o que aconteceu. Tudo. Isto também. Nunca assistiria, calada, a uma injustiça. A esta não vou sequer comparecer.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Vem a casa

Vem a casa. Entorna-me os cinzeiros. No sofá cinzento e comprido onde cabes inteiro e eu também, aquele que eu gostava que fosse mais curto para não te ter tão longe. Entorna lá o cinzeiro, como sempre fazes, sem querer. No chão. Em cima do cobertor. No azul felpudo e no vermelho liso como um dia nós fomos. Abre as janelas, vamos pecar e fumar cá dentro porque o miúdo está cheio de riso e mimo na avó. Corta as batatas como quiseres, faz tudo mal (afinal pode ser bem). Suja o chão. Pendura o chuveiro no sítio alto onde eu não chego. Pergunta-me onde estão as coisas. Sobe as escadas a assobiar. Assobia de manhã. Assobia quando quiseres. Deixa-me lavar-te o cabelo de olhos fechados, caracol a caracol. Vou vestir-me mais depressa. Saio de vestido ao contrário se preciso for. Encosta o saco preto com a bandeira à parede. Eterniza-me. No melhor de mim. Ensina-me a estacionar porque ainda que não tenhas a carta tens a lógica. Tens tudo aquilo que eu não tenho. Vem a casa. Pendura o casaco em sítios impossíveis, perde à sueca dois a zero, fala-me do Monte e do teu avô. Confia em mim. Defende-me. Sorri para o senhor do café, diz Bom dia e Bom Trabalho a toda a gente, como fazes sempre. Diz que vais jantar quando afinal vais almoçar. Fazes sempre isso. Come os cereais enquanto lês as notícias e eu fico na cama cheia plena e corajosa apenas com o teu perfil. Beija-me os pés e mexe-me nas orelhas. Olha-me nos olhos e faz com que sejam verdes outra vez e não escuros como a desilusão. Vem a casa. Grava as séries e passa a ferro a roupa do menino. Do meu menino. Tanto que fizeste por mim. Tanto que não fizemos. Outro tanto que não fiz por ti. Diz "Alice". Diz: "Vamos ver". Diz: "Se correr tudo bem". Vem a casa. Molha o pão no azeite. Olha para mim como se fosse a primeira e a última. Vem a casa. Traz mais um maço de tabaco. E surpresas. Vem a casa. Porque, sem ti, perdi a morada.

domingo, 19 de agosto de 2012

...

Tenho tudo para fazer o que é realmente importante e não acalmo. Virei a casa do avesso. Está tudo do avesso. Avanço. Acalmo. Continuo. Retrocedo. Quero cantar como tu. Morrer, mais tarde, como tu. Em esquecimento. Preciso de saber quanto tempo falta(quanto tempo falta? quanto tempo falta? quanto tempo falta?). para sempre é quanto tempo exactamente? E, quando esse tempo chegar, o que é que eu faço? Canto com ele? danço com ele? Choro com ele? Apanho gatos da rua? Levo o miúdo à escola e um dia foi há tanto tempo que este blogue que esta pessoa que o teu elástico preto que comprei porque queria fazer tudo bem. Sou ridícula. A única coisa que faço bem é comprar um elástico que tu nem usas. Amar-te, eu amar-te, faz-te mal. A tua mãe não gosta de mim. Os teus amigos pensam que desci de uma nave cravada de balas. E tu? E tu? E tu? Lembras-te?

sábado, 18 de agosto de 2012

Carta aberta a quem me gosta

Obrigada por me convidarem para almoçar. Senhores doutores. Marinheiros. Meninos de lábios cheios e com menos dez anos de vida do que eu, músicos cheios de pinta, mecânicos educados e colegas gentis. Obrigada pelos elogios obrigada pelos telefonemas e pelos tapetes vermelhos sempre estendidos. Obrigada até aos imbecis e aos egoístas aos extraterrestres e aos inúteis: no meio da sombra em que estou, até estes me conseguem ver. Obrigada. Daqui do sítio onde deveria estar o meu coração. Mas não posso. O coração ocupou o lugar do estômago. Não tenho muito apetite. Aproveito ainda para te pedir desculpa Mãe por não ter casado por não ter escolhido "alguém para me ajudar na vida" como tu dizes nessa tua maneira engraçada e triste de uma geração que nem deveria ser a tua. Desculpa Pai. Por ser assim torta e escolher o caminho das pedras. Por gostar dos que têm cabelos esquisitos e vidas complicadas, por me apaixonar por suicidas livres dependentes mágicos e ilusionistas. Por amar gente de verdade, que vive num mundo que não existe. E que, quando existe, e é de pedra e cal, me assusta. E corro... apavorada.

Suchard Express

Quero dizer-te que um dia deixo. De aparecer. Eu sei que o que importa é o que me pedes e eu que não respeito quando o que devias perceber é que eu não o faço porque te respeito. Falamos pouco. Entre nós e o mundo existem muitas cadeiras e pessoas e ninguém sabe - nem mesmo tu - que existe uma colina verde que poderíamos trepar. Eu acredito no Suchard Express. Tu, na lógica. Em Pavlov. Na Paz sem fogo. Não existe sempre uma fogueira e um cachimbo? Na Paz não se selam acordos com fumo? Eu, que não sei nada de ti, sei tudo de ti. Quero dizer-te que um dia vou deixar de aparecer. Não porque dói. Não porque pouco importa. Mas porque acredito no Suchard Express.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Guerreiro

Bater no mundo é bater em nós mesmos. Não sabia. Acreditem se quiserem. Bater em quem nos dá a mão é ter um bicho raivoso sempre de dentes prontos e que nos come o coração. Dizemos amor. Prometemos. Partimos cadeiras. Ficamos em sangue. Fugimos e ladramos e continuamos a bater em nós. Sempre a bater em nós. Quem cresceu em violência e nega a violência pode estar distraído. Poderá viver à espera da chapada. Na certeza do pontapé. Põe-se a jeito. Deixa. Permite. Tudo isto seria apenas uma grande estupidez não fora vivermos uma vida do lado do avesso. Arrastarmos gente connosco. Temos de aprender, sozinhos, que nos batemos, que nos fazemos mal, que nos fizemos tudo isto. Olhar para o espelho e deixar cair a máscara. Ou fazermos amor. Quando se dá a alma, através do corpo, descobre-se a essência do que somos. E descobrimos o quanto estávamos enganados. Em todo o guerreiro existe uma mão de criança embutida no peito.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Heróis

As crianças não precisam de pais heróis. Para isso têm o Spider Man, o Batman, o Hulk, a Barbie (a heroína da sedução). As crianças precisam de pais que pedem desculpa. Precisam de pais que erram. Precisam de pais que prometem e cumprem e que se não o conseguirem vão explicar duas, três, quatro, mil vezes, a razão pela qual faltaram à promessa. A olhar olhos nos olhos. As crianças não precisam de pais com músculos, que derrubam o vizinho com um sopro. Nem de mães que se desentendem com professores. Precisam de pais humanos. As crianças têm um mundo de imaginação que não precisa de mentiras em forma de maternidade ou paternidade. As crianças que crescem a acreditar que os pais são heróis perdem tudo demasiado cedo: a crença. Desconhecem tarde de mais a verdade: que, tal como eles, somos feitos de dúvidas. De perguntas. E que é isso que nos fez crescer e avançar e construir. Que nos permitiu ir à Lua e a Marte, inventar o Betadine e o Pacemaker. Que, tal como eles, também não sabemos coisas. Que, eles mesmos, os nossos filhos, nos ensinam tanto ou mais quanto aquilo que lhes tentamos ensinar. As crianças precisam de pais melhores: reais. Porque crescer a acreditar que um pai ou uma mãe pertencem à categoria dos heróis é, um dia, partir-lhes o coração. Amar é dizer a verdade. (Mas isto é só o que eu acho).

domingo, 12 de agosto de 2012

Posso?

Todas as famílias são esquisitas. A minha avó éra-o só mais um bocadinho. Quando me pedia para ir comprar vinho ao café, na volta, cantava-me um fado. De joelhos, em frente àquela figura enorme e amargurada, eu sorria um sorriso que devia ser triste e tonto. Era uma tonta. Ela dizia: "És tão ingénua, vais sofrer tanto com isso". E continuava a cantar. Eu era tonta de uma felicidade que não tinha justificação e a minha ingenuidade era essa. Tudo era possível. Quando cresci, lembrava-me da minha avó nos comboios, qunado os revisores olhavam para as minhas pernas, quando os senhores que passavam na rua me diziam coisas feias e despropositadas. Agora, hoje, neste segundo, continuo igual. Toda a minha violência é uma defesa. Eu sou umas pernas, uns lábios, umas mamas, uma barrriga, uns pés, uns olhos. Sou isso tudo, desde sempre. E, como não me considero um convite, continuarei a andar de baloiço vestida com uma saia, mesmo que se vejam as cuecas.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Eu não sou a Florbela Espanca não posso pagar a psicólogos nem consumir drogas

PREFÁCIO É também por isso que escrevo. A Florbela Espanca nasceu triste. Eu não. Dizem que queria voar. Que me atirei de um lugar alto e me parti toda. Uma criança que quer voar nasceu feliz. Desculpem-me os que aqui chegam e se deprimem. Não voltem. Não publicito este sítio. Assumo o meu nome porque cresci. E isto também sou eu. Quem me conhece sabe que sou a que fala mais alto, a última a deixar de dançar, a que conta anedotas. Não vou a psicólogos porque já fui e deixei de ter dinheiro para ir. Pouco fizeram. Queriam que eu falasse com uma cadeira e que fingisse que ali estava eu. Percebi o jogo. Não entrei na cura. Se , em 33 anos de vida, algo aprendi é que somos aquilo com que nascemos, mas acima de tudo aquilo que vivemos. E que vimos. Nada posso contra isso. Também não posso tomar drogas. Tenho um filho, não me é permitido morrer. Respeito quem me ama, a minha família. E tenho más ressacas. ASSUNTO Eu tinha quatro anos quando por amor, ciúme, vida, confusão, imaturidade, o meu pai me levou da minha mãe. Adorei-a quinze anos. Amei-a como só amo o meu filho. Todas as noites olhava para a Lua e sabia que ela via essa mesma Lua. E que me amava. Depois cresci. E ela estava sempre pouco tempo. Apenas no Verão. Nas Férias Grandes. No dia em que ela tinha de partir e me deixava no Vale, o comboio partia às 16h00 e desde as 16h15 (a hora a que eu chegava a casa), eu e a minha irmã mais velha fechávamos as janelas e chorávamos até adormecermos. Não comíamos. Ninguém nos acordava. Percebiam. O Pai. Os avós. Chorávamos essa metade do dia inteiro e uma parte gigante do que podíamos ter sido ficou ali, naquele colchão, ano após ano. Foram 10 anos. Mais ou menos. É uma dor incompreensível. É viver o luto de alguém vez após vez. Interminavelmente. Fiquei violenta. Até com quem amo. Perdi o meu amor porque o amo. Perdi o meu amor porque sempre tive medo de o perder. E perdi-o. Se o encontrarem um dia (e alguns de vós sabem quem ele é), digam-lhe apenas isto: eu não sei amar de outra maneira. Ele que me perdoe. Um dia. E, se puder, que me dê um toque (tenho a campainha estragada), que eu abro-lhe a porta.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Magia

Quero as coisas fáceis e estúpidas. Que me cortes as unhas dos pés. Que me ames para além do que é conveniente.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Morreste-me (em vida)

Se tu soubesses que todas as minhas palavras más eu não as sei porque as disse porque as fiz a razão porque em mim matei a última oportunidade de respirar. Todas estas ruas são tuas meu amor. Morreste-me (desculpa Peixoto).

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O espanhol

E a Laura. Nunca esquecerei.

Tanto

Preciso urgentemente de ser feliz. Não quero saber disso do tanto que tenho e é imenso que eu sei porque veio do meu ventre porque lhe daria a vida. Preciso urgentemente de ser feliz por ele. Preciso urgentemente do cheiro do meu menino e de ter tempo para lhe dar e de lhe ensinar como é viver sem o coração destroçado e entornado e ensombrado. Preciso urgentemente que me doa menos. Já ri, já dançei, já acreditei, já fui andar de barco e tudo. Voltei atrás. Tentei de novo. Falta-me tudo. Oferecem-me abraços e beijos e passeios e viagens e eu sou um pedaço de carne ao sol que não se importa que seque. Preciso urgentemente de ser feliz por vários dias, uns meses, para poder continuar. Preciso urgentemente de nenhuma dor.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Ninguém tem culpa

Hoje tenho duas coisas absolutamente fundamentais para escrever (porque não as quero esquecer) mas uma coisa azul clarinha talvez só me deixe dizer metade.Uma escrevo agora. A outra escrevo a seguir. Ou não. Acho que nunca disse: eu escrevo para não esquecer. Tem tanto de bom como de estúpido. Mas quando é bom, é como se os meus olhos fossem de mel. Espero conseguir dizer as duas. Existem quatrocentos mil blogues que são escritos todos da mesma maneira. Somos todos iguais. Nada a estranhar. Tudo bem, escrevam e escrevam sejam uma bandeira um carrasco uma princesa um solitário um zé ninguém, um ser espectacular. Escrevam. É uma sorte. Existe um blogue de segredos. Depois há pulseiras. E os leitores/seguidores/confessos/simpatizantes/pessoas de Bem e pessoas de Mal podem reconhecer-se. Eu gostava era de ter uma pulseira invisível mas que todos pudessem reconhecer. Explico: era uma pulseira como pó ou energia como andar com um cartaz gigante sem o cartaz. Uma pulseira invisível que dissesse qualquer coisa como esta pessoa está em coma esta pessoa tem mais em que pensar esta pessoa não quer pensar e esta pessoa não sabe dar conselhos. Neste momento. Por esta altura. Saberiam então que não me apetecem piropos na rua. Que gosto de toda a gente ( a sério), porque de quem eu não gosto nem sequer me apercebo. É uma não-existência. Desejo felicidade eterna às pessoas de quem não gosto, mas espero sempre que não me cumprimentem. Não vendo sorrisos. Gostava que não insistissem na fórmula do costume. Ser social cansa tanto. Depois perdemos e ninguém se apercebe que era porque estávamos em coma. Já não vou conseguir escrever a outra.