domingo, 10 de junho de 2012

LEALDADE

Foste-me desleal, a mim, que tive por ti a mais cruel lealdade. Camões dizia que amor é ter com quem nos mata lealdade. Tu dirias que isso é estúpido e essa é toda a razão da tua deslealdade. Foste-me desleal. Eu que daria este peito para que o rasgassem que te levaria ao Inferno se o bilhete fosse de ida que te amei da única maneira que sei: assim, lealmente. Foste-me desleal. E eu que aceito toda essa mesquinha infidelidade que magoa tantos que me magoa a mim mas que não me arranca o brilho. Que não me destrói amores. Somos todos fracos. Não me contes, sempre te pedi. Nunca compreendeste. Mas a lealdade? Como pudeste tu recusar-me essa lealdade, como poderia confiar que me agarrarias quando estivesse a cair? Defender-te-ia ainda que tivesses matado, ama-se um criminoso, o amor é a medida desta impossibilidade. Estaria por ti contra todos, sem essas defesas que ergueste, essa semi-lealdade que é nada. Só existe uma forma de ser leal: em absoluto. Poderás jurar a pés juntos que me foste leal. Sempre. Porque tu não sabes. E, como não sabes, não foste. Ser-se leal é arriscar a vergonha, o diz que disse, o correr mal, o entornar o copo, estragar a noite, deixar cair o muro, pedir desculpa, recomeçar, mas segurar. Segurar sempre quem se ama. E se tanto amor era esse onde escondeste a cegueira? Somos cegos no amor, vendo, pela mesma razão que somos leais aos que não têm perdão. Não é a nossa aprovação que oferecemos. Nem o nosso aplauso. Amamos quem nos envergonha. Amamos quem não segue os nossos passos. Amamos o preto sendo brancos. Amamos o que corre mal de olhos postos no que corre bem cá dentro. Porque é cá dentro que existe o amor. No coração. Nunca na lógica. A lealdade não é uma conquista. Não é o "faz isto que eu te darei aquilo". Ninguém faz por merecer a lealdade. Não é uma construção. É espontânea, como o amor, ergue-se a partir de coisas sem nome. Não nos ficamos. Partimos para a frente da batalha porque o nosso amor levou com uma bala no ombro. Ficamos gigantes. Podemos tudo. E, não podendo nada, pudémos isso: a verdade do que sentimos, a imensidão do que somos, a alma que teremos. Como os meninos. Em pactos de sangue. É preciso tão pouco - basta um dedo a sangrar - para selar um compromisso. Mas, sem lealdade, irás cortar-te em todos os vidros do imaculado que partiste.

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