segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Asas

Neste palácio em ruínas descobrimos a fraternidade que parece uma palavra dos palanques e é tão grande. Fraternidade. Agora que este ano maldito termina. Agora que os mortos, às tantas, já podem caminhar, reconhecemos todas as nossas fraquezas e como se em oração não fazemos delas forças. Mas fraquezas. É preciso olhar de frente para o que nos encolhe e olhar fundo para aquilo que sempre fomos. Pleno voo. Em 2013, voaremos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Filho meu,

És o rebelde de coração fantástico, um admirável ser que ora corre a mil como o McQueen ora se senta no meu colo a falar de coisas como envelhecer como amor como perda como saudades. Tens toda a poesia do mundo dentro do peito e toda a sede de quebrar os limites. O que pode ser um problema. Mas acredito-te. Tens-me mostrado, nestes seis anos, que tudo o que, em ti, pode ser difícil, não é impossível. Falas-me de vitórias que são conseguires ficar sentado na cadeira da sala de aula e eu que te queria poupar a sistemas impostos mas que sei o quanto é preciso, às vezes, fazê-lo, dou-te um abraço, que é um orgulho e um espanto em mim. Desde aquele dia, era Domingo, em que a coisa primeira que fiz foi cheirar-te, como um animal cheira a cria, eu soube que te haveria de amar assim, como a parte melhor de mim, a que tu és e isto não são palavras, filho meu, isto é a verdade. Todos os filhos são mágicos, mas tu és a magia maior. Obrigada. Parabéns meu amor.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O mês da chuva

Quando acordámos, nesse Novembro, todos faziam o de todos os dias: escovavam os dentes, vestiam a roupa, comiam à mesa e as notícias eram a casa. Menos nós. Eu. No mês da chuva tudo se passava como sempre se passou e ainda que de muitos lados viessem as vozes que ouço, era demasiado. Sempre foi demasiado. As rotinas. Lavar os dentes. A roupa. As notícias. Debaixo da primeira linha da pele estamos. Estou. Por isso é que é tão difícil de explicar. Os sinos que ouvíamos faziam-nos lembrar de outro tempo e o dia um dois três e eu menos isso tudo. Tu dormias e, ao acordar, era um dia mais. Como perceberias que eu não tinha dormido? Que, ao acordar, colavam-se em mim os sonhos, que os outros lavam os dentes e há notícias em casa e que, tantas vezes, a rua não é nada. Que eu passo por baixo ou por cima, pelo meio, e que debaixo da pele sou outra coisa? Achavas engraçado nesse Novembro em que nos quase apaixonámos. Esqueceste que toda a diferença é, também, um fardo. Um acto de coragem mas principalmente nada disto. É o que é. Sem remédio. Uma inevitabilidade. Nada, em mim, é calculado. Sou assim porque sou assim, se fizer um esforço não sou eu, debaixo da pele em cima da pele, no meio da rua, por baixo, é preciso aceitar. Quando chove nesse Novembro que é sempre o mesmo mês na chuva e na vida tu viste qualquer coisa que não era. E ainda que eu te tivesse tentado explicar, nada poderia ser tão difícil de aceitar. A absoluta diferença, que não procura aceitação. Não há por onde fugir. Nesse Novembro ontem e de sempre, tu não prestaste a devida atenção.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Nevoeiro

Este nevoeiro tonto que poderia ser uma manhã de luz e é sempre a mesma sombra. Trazemos sóis no peito e em algum lugar os campos verdes fazem-nos convites lembram-nos de quando o sonho era possível hoje que o sonho não é possível o pior de tudo não é o que perdemos ontem mas o que perdemos, irremediavelmente, no amanhã.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Depois

Não quero ser pequenina e mesquinha e poucochinha. Não quero ser para baixo olhos de carneiro queixume fácil sorriso torto testa crispada lágrima pronta não quero ser "a mim nunca vai acontecer" bem longe de "eu nunca tenho sorte". Não quero ser idiota fraca rezingona doente de nada encurvada de tudo nem quero ser preguiçosa queixinhas molenga chega para aqui o aquecedor pele baça olhar mudo dentes cerrados. Não não e não. Eu quero ser alta do tamanho dos meus sonhos da minha vida grande como gargalhada sábia como uma avó deslumbrada como uma criança quero rir de manhã à noite e rir quando não é para rir quero ajudar quero estar lá. Fazer alguma coisa. Fazer alguma coisa. Poder mudar de fora para dentro de dentro para fora. Desarrumar tudo ter uma escada que chegue ao tecto onde estão todos os meus livros. As palavras são o meu céu e é lá que durmo este é o meu fio puxo-o devagar, o caminho, tantos que o disseram, é feito ao andar.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Dia mau

Há alturas em que os pedregulhos são tão grandes que não sabemos se vai ser possível, dentro de nós do que somos feitos esta fibra e esta cal esta cara de ferro que temos os que já perderam tudo os que começaram logo a perder já nem sequer perguntam, empurram os pedregulhos arrastam mas as pernas estão fracas. Na esquina, hoje encostei-me a uma esquina. Se alguém passasse ali podia cair no buraco que eu era na desolação do meu peito tenho saudades de não ter medo de ter os dias a correr na ponta dos dedos tenho saudades dos assentos dos comboios, de chocolate quente,de paz. Não sei o que é ter paz e isso não quer dizer que viva em guerra. Quero a paz de não me encostar a uma esquina e a rua ser menos triste do que eu.

Siêncio

Ser amado é viver dentro de uma bolha, nada nos pode atingir, faz ricochete. Mesmo que em farrapos dores tantas e outras misérias caminhamos na rua e nada eu digo nada nos pode derrubar. Os pais que amam, as pessoas que escolheram amar-nos. Esta sorte. Esta desgraça quando a bolha se rebenta e começamos a ter medo. A falta de amor condenou isto tudo. Andamos uma vida inteira à procura de coisas que existem dentro de nós.

domingo, 4 de novembro de 2012

Insanidade

Ligam-me e contam-me coisas tristes histórias ainda mais tristes maldades em todo o lado. Os medíocres transformaram-se em desonestos os inúteis em fantasmas. É assim que estamos. Os que podem fogem e já nem o amor nos salva. Já nem o amor nos salva. O amor está encalhado na dificuldade que é tudo quando só o amor nos podia salvar. Olho para o lado e acho que ninguém entende. Ninguém percebe que o que me revolta na miséria, para lá da fome, é a total ausência de princípios. Antes de chegramos à fome já nos transformámos em coisas nojentas, humanos que não se reconhecem. Neste vale tudo perdeu-se tudo tudo: dignidade, amizade, respeito, humanidade. A mão que lavava a outra mão está podre, só serve para empurrar. Quero e nada posso. Chegámos ao tempo em que desatámos a falar línguas diferentes. Temo nunca mais conseguir adaptar-me a esta insanidade.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Inteira

A minha maior pena de ainda não ter voado é por todos aqueles que quero fazer voar comigo. São tantos, de há muito, de há quase nada. O pai não está cá e eu não o consegui fazer voar a avó qualquer dia deixa de estar e eu sei que metade da minha culpa é tudo o que lhe devo o nada que lhe dou. Os meus amigos, os que acreditam em mim, os que sabem sobre golpes de sorte os que já perdi entretanto. Espero que a vida me permita voar. As minhas asas estarão carregadas de gente. Só isto me fará inteira.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Amor chega

Ele nunca foi a uma reunião da escola, não fazia a mínima da matéria que eu estava a estudar, se havia teste, se estava em risco de chumbar, se eu era a melhor ou a pior da turma. Não sabia o rapaz de quem eu gostava ou a roupa que eu gostava de comprar o meu filme preferido a minha banda de eleição. Às vezes eu tinha de tomar conta dele, outras não sabia dele, foram mais as vezes que me pediu desculpa do que eu a ele. Aos olhos dos outros, o meu pai fez tudo mal. Mas, sabem, estão enganados. Ele fez o principal bem: amou-me sem comparação, embalou-me, aconchegou-me, abraçou-me. O meu pai salvou-me a infância. Tens razão P., o amor chega.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Stand and Still

Não é como a impossibilidade. Está para lá. É pela facilidade, pela falta de culpa, ainda que uma culpa justificada, mas uma vergonha qualquer uma mágoa um qualquer sentimento de que não era preciso de que não era importante de que não precisava de ter sido. Então é uma impossibilidade, crueldade, palavras que se prolongam como o grito que se dá quando para lá desse já não se sabe que caminho seguir para vomitar a mágoa. O último grito que seria o primeiro se existisse uma espécie de expressão para essa coisa que não tem nome. Não tem. É pela forma como dizes, pela foma como apunhalas vez após vez escudado nessa sinceridade que, às vezes, só te faz falta a ti. Só te serve a ti. Não é por me teres chateado, insultado, sei lá. É por me teres diminuido. Roubado. Então acho que levaste qualquer coisa que faltava aqui para poder ser uno. Levaste algo que é teu mas que não eras tu algo que és tu mas em outro tempo, e no entanto, sempre foi assim. Comi isto, não sei se sai do corpo. Ou fica.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Manuel, João, Tiago, Maria, Laura, filho, mãe, pai. Para onde foi toda a gente? Hoje não quero lavar a loiça, hoje não quero dormir sozinha. Manuel, João, Tiago, Maria, Miguel, doem-me as costas, onde terão ficado todos? Rua dos Combatentes, Rua de S. Salvador, Rua dos 4 caminhos, Rua de Baixo, Rua com nome de ditador com nome de jardim com nome de esperança, qual a razão de tantas ruas? Em que lugar me esperam as respostas? Existem respostas? Traseiras do prédio, auto-estrada, IC, Norte, Sul. Todos os caminhos vão dar ao mesmo lugar. Manuel, João, Tiago, Maria, Laura, filho, mãe, pai.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

I used to rule the world

Quando ditamos as regras o mundo parece-nos tão certo. Palavras como maldade, crueldade, vingança, cabem nos outros, nunca em nós. Eu também já mandei no mundo. Foi ontem. E foi num instante.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Outono de nós

Tu vieste para baralhar tudo. Sou do Verão, de mais nenhum outro tempo. E é sempre na luz que tudo se apaga. Deveria prestar mais atenção aos sinais. Talvez esteja a perceber tudo ao contrário. Tu vieste com a chuva e com o frio. Em dias cinzentos fizeste-me correr debaixo de aguaceiros. A nossa memória tem um casaco preto com fechos, meias compridas, vestidos quentes. Frio. Chegaste depois da praia, nunca viste as minhas pernas morenas. Nunca estiveste no dourado. A chuva que chega agora somos nós. Em todo o lado.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Não sabemos

Sabemos que nos perdemos quando não sabemos as insignificâncias. De que é que te ris tu? Desconhecemos a hora a que se deitou, que aquela marca no dedo foi uma queimadela no forno, que se perdeu o início da série por causa da lasanha que estava a queimar e já não havia espaço no gravador. Não tomámos café pela manhã quando se estreou a t-shirt nova e lavámos os cabelos muitas vezes até que nos pudéssemos olhar de novo. De que é que te ris tu? Apercebemo-nos de tudo o que nos falta essas coisas menores como terem cortado as árvores na rua eu já não usar unhas compridas, os calções verdes do menino agora estarem curtos. E é como se de repente tivéssemos batido com o coração numa esquina. Olharmos o tempo que passa e nada se sabe, tudo se consome nos dias em que nos existimos longe. De que é que te ris tu? Quando deixamos de saber qual era a piada. Não estávamos lá. As coisas realmente importantes são estas. Porque a vida é mais do que os acontecimentos grandes e audíveis. Viver são as coisas pequeninas, sabias?

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Não podes ficar

Pai, estás tão magro. Não te dão comida no céu? É o segundo dia que me visitas e, como sempre, eu sei que não pode ser verdade. É bom e triste e somos nós às vezes sem sermos nós. São sonhos sem serem sonhos, porque neles não há o dom da maravilha do sonhar. És tu, do outro lado de mim. És tu, triste como eu. Mas és tu comigo e isso é um milagre. Falámos. Disseste coisas. Eu disse coisas. Até que pousei a cabeça no teu colo e quase adormeci dentro do sonho. E disse-te: "Não posso ficar aqui muito tempo, porque me sabe bem e depois não acordo". E tu foste um sorriso imenso mas todo aquela tristeza doce de já não poderes estar aqui, de sabermos disso, ambos, de eu ter de caminhar sozinha, sem te olhar. Aqui no meu sonho no meu desejo na minha cabeça, tu conduzias o carro. As saudades dos teus braços morenos, esticados, equanto conduzes. Mas, Pai, estás tão magro. Sempre foste assim tão magro? Come, não te entristeças, não morras ainda mais nessa morte longe de mim. E volta, sim? Fica aqui este bocadinho. Fazes-me falta (e sim, eu sei que me abraçaste, é por isso que sei o magro que estás).

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Manda vir

Vou recomeçar do ponto onde parei. Sacudir a poeira. Não vou pedir desculpa a ninguém porque isso não muda nada. Farei o melhor que posso: os erros não se limpam com saliva, transformam-se em coisas inacreditáveis e eu farei algo inacreditável. Vou recomeçar exactamente do ponto onde parei. Uns dias antes de voar, quando fiz a mala em um instante e nem aproveitei tanto mar tanto mar. Chega. Sou pecadora. E também faço tudo mal. Onde estão os meus sapatos vermelhos? Preciso deles agora que me faço à estrada. Chamem os poetas. Para onde eu vou, quero que me acompanhem.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Madrugada

A noite inteira a vida toda. Agora acordo com medo parece que entram em casa. O medo é uma coisa que começou a fazer barulho e que me assusta. Não é um medo pequenino de possibilidades ínfimas. Acendo as luzes e espero que elas me guiem na escuridão. Nunca tive medo de nada, sabes? Deves lembrar-te. Todas as cidades a todas as horas. E agora tenho medo de tudo, como se de repente me desse conta do quão perigoso é viver. Sinto saudades de muita gente e quando o menino entrou na escola, hoje de manhã, os meus olhos ficaram agarrados às pedras o meu coração ficou murcho. Tanta coisa que tu não sabes. Como eu agora ter medo. Quando é que o mundo se tornou tão triste?

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Stop

Por cima daquilo em que eu acredito e do lume dos meus olhos. Não. Não passarás.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Puzzle

Tenho uma sorte danada, como tantas vezes digo, nos amigos que tenho. Se calhar falta-me sorte noutro lado, o que me falta às tantas é só mesmo a paciência. Ela tem olhos azuis entre muitas outras coisas que eu não tenho: sabedoria, calma, paciência. Ela tem assim uma forma de ser de sorriso leve e constante e eu acho que se antes nunca falei muito com ela foi porque me parecia tão calma e sábia que pensei que não pudéssemos dizer coisas uma à outra. Esqueci-me que a amizade nos ensina, que nos revela. Esqueci-me que eu, entre as linhas do que fiz mal, faço outras coisas bem. Sou esquecida disto, de mim, a minha vida é confusa estranha difícil de explicar aos outros. Esta minha amiga que tens olhos azuis e muitas outras coisas que eu não tenho deixa-me estar. Não me obriga. Vê-me para além da confusão. E hoje uma vez mais deixou-me o recado: espera. Acredito nela. Acredito na sorte que é tê-la comigo. Pedaços de tanta gente que admiro: é tudo isto que me reconstrói.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Antes e depois

Aproveita o intervalo. Essa hora pequenina e eterna do concerto. Aproveita o intervalo esse momento extacto e perfeito em que o teu bebé respira em perfume para o teu pescoço e o instante da mão dele sobre a tua dos olhos dela límpidos e tu ainda sem mágoas pesadelos traições vida. Aproveita o intervalo quando trincas o melão sente-lhe o maduro a cor laranja entre os dentes esmaga gentilmente o bago da romã. Aproveita até conseguires aguentar o instante em que cais devagar no sono nada te maça nada te pesa nada te dói e dormes sem um sonho na lembrança quando morres e acordas vezes sem fim. Aproveita quando matas a sede e não desejas mais és inteiro no líquido a renascer-te a garganta, fecha os olhos no primeiro e no último beijo. Agarra tudo o que puderes. Eterniza como souberes. Aproveita o intervalo.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Um dia destes

É. Um dia destes encontramo-nos e falaremos a mesma língua. Eu direi fica no mesmo segundo em que atiras a mochila para um canto e todas as palavras todas as palavras podes dizê-las a cantar que eu continuarei a escrever. O meu Não o teu Não o meu Sim o teu Sim. É. Não vais achar estranho que eu me embale como uma criança perdida ou que me que perca sempre nos caminhos. Um dia destes o sol entrará no mar todos os dias a esse sol será o mesmo nas noites más nas noites boas. Vais entender. Vais entender. Vamos ter tanto tempo eu sei que nunca terei medo de adormecer e perder tudo. É. Vamos viver de janelas abertas. E o meu cabelo será ondulado nos primeiros raios da manhã. Um dia destes vai ser fácil fácil. Vais ver. Um dia destes encontramo-nos.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Valsa

Não me beijaste devagar. A urgência faz parte do que já se espera, a saudade é mais lenta, quer esticar o momento dividi-lo em segundos, parti-lo em partes tão ínfimas e tão importantes que o tempo que durou é imenso. Não me beijaste devagar esmagaste-me antes os lábios como se me dissesses assim coisas. As que eu não queria ouvir. Devias ter-me beijado mais devagar a valsa é uma dança lenta porque quer dizer coisas pequenas e grandes. Decidiste rodopiar comigo numa batida que de tão rápida quase me fez doer a lembrança. O amor é devagar, eu agora sei. E menos, não, muito obrigada.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

O mapa do coração

Quando tinha 18 e 19 depois 20 e 21 trabalhava um dos meses de Verão para juntar dinheiro e fazer uma festa de anos. Em Setembro, era Coimbra e era tê-los ali, tantos e tão bons, numa casa antiga, onde o quintal se enchia de vasos gigantes com sangria, onde a cerveja gelava em água do tanque, onde eu normalmente caía para o lado de cansaço e ainda batiam à porta para entrar. E entravam. A minha felicidade era essa: os muitos abraços, a minha gente feliz, podermos estar juntos, aqueles sorrisos, as conversas. Tínhamos absolutamente tudo. Nada me faltava. Aprendi a ser feliz também ali. Antes e depois, corri este país levada pela vida e ontem, aos 34, parece que todos esses caminhos decidiram desaguar em mim. De uma assentada. Como uma avalanche. Não sei explicar dizer o que se sente quando não se espera nada e de um momento para o outro o dia é um passaporte para a felicidade. Quando uma manhã qualquer, uma tarde, através de dezenas de corações a bater também por nós, nos sentimos pertença. E descobrimos que as nossas raízes se estendem por mil sítios e que carregamos tanto e tão bom dentro da alma. Ontem foi uma vida inteira e eu não sei como algum dia me pude esquecer de tudo isto. Da minha infância ao agora, todas as lições caíram aos meus pés, inundaram-me de certezas, transformaram-me. Não sei se é de mim se é da vida, mas se houve um dia que me mudou, esse dia foi ontem. Não esperava nada. E tive tudo. Obrigada.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

34

Amanhã, quando acordar, deixei de ter 33. Não existe nada realmente marcado. Entro nos 34 a deslizar, devagar, pé ante pé, como quem espreita ou se convence. Com fé. Crescida. Olhando para trás, poderia desfiar um rosário de recordações. Ano duro. Ano necessário. Ano de amizades que chegaram à minha vida quando eu não sabia que as amizades ainda se faziam assim. Um ano tem tantos dias, momentos, chuva e sol frio e soluços gargalhadas grandes. Mas um ano é aquilo que somos, na mesa, com bolo e sem bolo, com gente e sem gente. E eu tenho gente boa daquela mesmo boa em todo o lado. Ainda hoje ligavam. Diziam: "então como é que é". Até o meu amor tem algo para me oferecer. Mas é como digo, é pé ante pé, a deslizar, a falar comigo em frente ao espelho, a dizer: não voltes a repetir, a esperar melhor de mim para os outros. Tenho esperança nestes 34 como tenho esperança na vida inteira. Um dia chego lá. Pode ser amanhã. Pode ser este ano. Crescida. Melhor. Em Paz. Podia ser tudo diferente, mas eu sei por que é que tem de ser assim. Vamos lá.

Verdade

No banco do jardim, quando a tua cabeça baixou e eu senti as tuas veias tremerem perante a possibilidade absurda de te estar vedado tudo o que mereces, eu soube. Daria duas cambalhotas para te fazer rir ou desenharia no chão, a lápis de cor, a mulher da tua vida.

sábado, 1 de setembro de 2012

Saber felicidade

A felicidade sabe a laranja. Acho que sabe a filmes e a cabelo molhado. Sabe a noite de Verão, a unhas dos pés pintadas. A felicidade sabe a sono e a paz, a fome e a preguiça. A felicidade é o som da televisão muito alto na casa de alguém, a novela e uma mão encostada na outra, a louça a escorrer na cozinha. Acho que também sabe a castanhas e ao teu quarto de manhã: janelas abertas, fronhas azuis escuras, um candeeiro branco baixinho, um cinzeiro redondo em que só cabem quatro beatas das tuas e duas das minhas. A felicidade é vermelha. A felicidade cheira a pão e a churrasco cheira a hambúrquer com ananás. É um homem de fato e gravata a beijar na boca a namorada. São dois cafés e um leite com chocolate. Um pacote de açúcar enrolado numa bolinha. Cócegas. Lutas de almofadas. Dormir no chão. Um cobertor azul felpudo e o House. A felicidade são amendoins e bolachas de chocolate e manteiga. Areias. Lua cheia. Chá e perfume. Conchas e carícias na orelha. A felicidade é subir as escadas quatro a quatro para chegar mais depressa. Algo a tiracolo, a cruzar uma camisa branca, o amor em xeque-mate ao cansaço. A felicidade é tanto tanto. Eu sei.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Táxis

Acredito nos táxis tal como acredito no amor. Os táxis lembram-me sempre beijos e risos. Chegávas de táxi e antes de seres em mim já eras na rua. A luz verde que te trazia e que acendia em mim toda a esperança. Gosto de táxis na minha rua. São promessas finais felizes gente boa amigos são dez minutos depois cama e descanso são três dedos de conversa são idas e vindas para e de lugares felizes. Sempre que passa um táxi aqui eu acredito em milagres e recompensas. Como se fossem naves e dentro deles viajasse o futuro. Ou apenas um beijo. O futuro pode valer isso. Hoje vi um táxi da minha janela. Na noite, a luz verde ao fundo. E eu sorri.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Menos

Desilusão. Ele lembrava-se de tudo. Desilusão. Do piano. Queria falar-te das saudades e só conseguia puxar-te a carne. Desilusão. Não o viste, a falar do tempo? A querer dizer tudo? A lembrar-se? Desilusão. O sorriso torto, meio atravessado, os olhos gigantes a não entenderem a razão das coisas. Desilusão. De repente tinhas ido. Os olhos dele, grandes. Desilusão. O tempo. É isto o que o tempo faz.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Levanta o braço

Despede-te de nós. Sabes que já vimos partir sem um beijo um adeus uma palavra uma coisa qualquer sabemos isso de cor fomos ficando aqui enquanto tudo deixava de existir até sermos o centro do mundo um do outro. Demos as mãos e saltámos para o escuro. Ao menos, despede-te de nós, não nos deixes aqui à beira do passeio e da vida diz qualquer coisa que seja mais do que as tuas costas e o teu passo rápido. Em suspenso, chamámos-te do final da rua e tu és a certeza maior, porque estás com pressa. Nós que saltámos de mãos dadas no escuro, pensámos que não ia ser assim. Deixámos-te entrar no nosso círculo tinhas uma cadeira e um coração tinhas mais do que um par de braços oferecemos-te lugar rimos contigo e nunca te fechámos a porta. Partilhámos o pão e o molho o riso e a lágrima e tu saltas o passeio e quando damos conta estás do outro lado da estrada. Esqueceste-te de te despedir de nós. Esqueceste quase tudo. Levanta o braço, olha-nos nos olhos e diz adeus.

domingo, 26 de agosto de 2012

Vertigem

Inclina o isqueiro dizes tu inclina o isqueiro talvez já estejas irritado porque não me lembro de inclinar o isqueiro se nem disso me consigo lembrar pensas tu como me poderei lembrar eu de coisas tão mais importantes. Inclina o isqueiro juro que houve um momento em que pensei que fosses perguntar-me qual é o meu problema qual é a dificuldade que tenho em acender um cigarro. Estou a falar contigo, não percebes? Como é que inclino a minha vida e um isqueiro ao mesmo tempo?

sábado, 25 de agosto de 2012

Filho (mãe)

Quando decidi ser mãe, quase todos me olharam estranhamente. Não era muito nova, mas tinha tempo. Tinha tanto tempo. E queria ser mãe assim. O meu filho aconteceu-me, é verdade, não foi planeado, mas eu tenho a certeza absoluta que o meu filho tinha de ser. Exactamente este meu filho. Eu, que nunca sonhei com casamentos véu e grinalda eu que sempre fui independente e fugi de dependências decidi isto de ser mãe com o coração, que é a única forma de se decidir com razão. Claro que ouvi conselhos, ouvi de tudo, enquanto um sorriso me torcia a boca e eu amava já essa aventura eterna. Não sabia nada. Não sabia nada de nada. Mas suspeitava. Nunca fui tão feliz nunca vivi tão apaixonada. Nos piores dias e às vezes são maus de breu, olhar para este meu filho é olhar a mais bela verdade, a minha razão mais certa. Ele sabe disso. Sabe mesmo. Quando somos obrigados a ficar longe, às vezes pego no carro, fujo e vou vê-lo. Vou ouvi-lo respirar. E sossego. Quando ele não está, uma parte de mim está assim no sítio onde ele estiver. Quando me dói tudo muito só preciso de o abraçar com força. Fecho os olhos e lembro-me do dia um que se repetirá até ao último. Gosto de ser mãe de dizer filho. Enche-me a boca e o coração.

Superficial

Faço passar a mesma linha pela agulha e encosto a camisola inacabada junto ao peito e há quem tropece em novos novelos de lã. Impunemente. Porque impune é a vida. Vivemos todos impunemente até ao dia em que nos são cobradas as respectivas dívidas. Eu que afinal não falhei tinha aqui as agulhas pousadas. Dentro da minha casa, que é pequena, um imenso espaço ocupado. É preciso esvaziar e romper. E não ouvir, sobretudo, o som das agulhas, sozinhas, a construirem uma camisola de nadas. Como se fosse tão simples existirem novelos de lã, de outras cores, a rolarem pelo corredor, a entrarem na vida. Como se isso não fosse algo inteiramente novo. Nada assim tão nobre. Apenas o mais vulgar de nos enchermos de um riso alheio e superficial. E as minhas agulhas, compridas e finas, que puxam os fios directamente do coração. Essas minhas agulhas, tontas e ingénuas, a tricotarem, sozinhas, novelos cheios de nós.

Bem querer

Enquanto os teus dedos dedilhavam a guitarra, para lá da janela uma noite emprestada, a minha alma descansava no copo de vinho tinto. Tanto que somos, tanto que somos. As nossas ideias a voarem no espaço, eu a ser eu, tu a seres tu, e lá fora, depois da janela, um momento emprestado. Doce. Terno. Como as tuas mãos a acariciarem um instrumento que não é teu. Como eu, a olhar o que não me pertence. Com desprendimento. Até. Ao momento em que sei que a noite emprestada e que o momento no meio da vida é isso. Tudo o que eu não sei. Sobretudo aquilo que já não sei. Não, meu amor, não te quero levar para casa. Hoje não. Também não sei o futuro. Sei o que sempre soube. E talvez seja pouco para segurar um mundo de dúvidas e de gente que não quer que caminhemos juntos. O que eu quero realmente está depois das palavras nos intervalos do que te dói, do que me dói. A lembrança cristalina daquilo que somos. A verdade. É uma escolha. No final de tudo o que se diz, será sempre uma escolha. Do meu lado, a música, um rio, uma fotografia do passado, o teu nome. Do meu lado muitas noites violentas de dores irreproduzíveis. De coisas inauditas. As minhas pernas que num certo momento num determinado lugar do tempo foram demasiado fracas. Do meu lado o teu nome. Até. Que a vida continue. Ou que a luz volte à estrada.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Crescer

Do tanto que quis para ti, talvez só metade. Muitas linhas se entortaram. O que fiz certo tanto que fiz incerto outro que não sei. Não respondas isso. E essa pergunta não. Também te digo, às vezes, filho. Tens tempo para conhecer o âmago da dor. Dá-me tempo, a mim, para saber mais. Para te ensinar melhor. Não te conto tudo porque existem coisas que ainda te estão vedadas. Ainda bem. E porque sei que sabes mais do que aquilo que todos suspeitam. Eu sei, miúdo. Vieste de dentro de mim. Sei tudo de ti e mesmo que te ponhas a dançar como o Travolta no Pulp Fiction e mesmo que empregues palavras caras e complicadas para descrever coisas simples eu sei o que tu és aí por dentro. Vejo-te para lá da carne. E da piada. O meu amor por ti é esse amor não cego: tenho de te ver para te ajudar. Onde erras, dizer-to. É isso que as mães fazem também. Se tivesses as orelhas saídas, eu saberia. E, se fosse preciso, víamos disso. Quando chegasse o tempo. Se te nascer um sentimento torto, conta comigo também. Não conto com a tua perfeição, olha bem para mim, não te exigo nada a não ser a grandeza de seres o melhor que puderes ser. E para isso, o tanto que já te peço. Olha para mim de novo, que eu conheço esse feitio torto, não me vergues nessa força dos teus 5 anos, tens toda a força do mundo, acreditas em super-heróis. Olha bem para os meus olhos: amo-te para lá de tudo (já sei mãe, não revires os olhos), mas serei a primeira a perguntar-te porquê. Estamos conversados? (Então dá cá um abraço).

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

"it's crazy, i'm thinking, just knowing that the world is round"

Porque os candeeiros se vergavam à nossa passagem não havia estrada deus direito ou condição que nos fizesse frente. Que nos impedisse. Porque estava tudo certo a pele queimava um vulcão certeza urgência mas era a alma que, tal como os candeeiros, se debatia em vénias à nossa passagem. Por isso, fizemos tudo mal. Enquanto o mundo, fora de nós, assistia ao que não era costume, não explicámos. Dissemos algumas palavras. Talvez paixão. Talvez sorriso. Talvez beleza. E não explicámos que a energia nos tombava e que nos aproximava. Contra tudo aquilo que era suposto. Um de cada lado do Mundo. Opostos, que corriam tão rápido um contra o outro e que paravam segundos antes das faces se chocarem até que não fosse necessária uma única palavra. Então, não explicámos aos que nos viam. Então, ninguém entendeu. Começaram a temer-nos. Começámos, nós, a ter medo. E mesmo quando as águas vieram e trouxeram o lodo que nos encheu de mágoa e de dor, de arrependimento, sempre que emergimos, emergimos de mãos dadas. Inacreditável. Temeram-nos ainda mais. O medo cresceu. Ficámos tão pequenos, os candeeiros choraram uma luz ténue e adormeceram em estado de sobressalto.

Eu sei

Há tanto amor aqui. Sempre houve. Vejo amor em todo o lado, sei disso, debaixo da pele e em cima da mesa do café, debaixo de tudo aquilo que enfim. Enfim não. Nunca. Se há tanto amor aqui. O que falta para que vejam que há tanto amor aqui? Que, agora, não há amor aí? O amor não chega? Amor é pouco?

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

...

A desilusão é uma doença. Estranha, estranha doença. A esperança pode ser uma censura constante. Iremos esquecer pormenores importantes de toda esta história porque, em um certo ponto, deixámos de a contar como ela é. Como se a sente. Passámos a vê-la como todos os outros: de fora. A desilusão é uma cobra que sibila. O mais importante de tudo o que aconteceu foi tudo o que aconteceu. Tudo. Isto também. Nunca assistiria, calada, a uma injustiça. A esta não vou sequer comparecer.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Vem a casa

Vem a casa. Entorna-me os cinzeiros. No sofá cinzento e comprido onde cabes inteiro e eu também, aquele que eu gostava que fosse mais curto para não te ter tão longe. Entorna lá o cinzeiro, como sempre fazes, sem querer. No chão. Em cima do cobertor. No azul felpudo e no vermelho liso como um dia nós fomos. Abre as janelas, vamos pecar e fumar cá dentro porque o miúdo está cheio de riso e mimo na avó. Corta as batatas como quiseres, faz tudo mal (afinal pode ser bem). Suja o chão. Pendura o chuveiro no sítio alto onde eu não chego. Pergunta-me onde estão as coisas. Sobe as escadas a assobiar. Assobia de manhã. Assobia quando quiseres. Deixa-me lavar-te o cabelo de olhos fechados, caracol a caracol. Vou vestir-me mais depressa. Saio de vestido ao contrário se preciso for. Encosta o saco preto com a bandeira à parede. Eterniza-me. No melhor de mim. Ensina-me a estacionar porque ainda que não tenhas a carta tens a lógica. Tens tudo aquilo que eu não tenho. Vem a casa. Pendura o casaco em sítios impossíveis, perde à sueca dois a zero, fala-me do Monte e do teu avô. Confia em mim. Defende-me. Sorri para o senhor do café, diz Bom dia e Bom Trabalho a toda a gente, como fazes sempre. Diz que vais jantar quando afinal vais almoçar. Fazes sempre isso. Come os cereais enquanto lês as notícias e eu fico na cama cheia plena e corajosa apenas com o teu perfil. Beija-me os pés e mexe-me nas orelhas. Olha-me nos olhos e faz com que sejam verdes outra vez e não escuros como a desilusão. Vem a casa. Grava as séries e passa a ferro a roupa do menino. Do meu menino. Tanto que fizeste por mim. Tanto que não fizemos. Outro tanto que não fiz por ti. Diz "Alice". Diz: "Vamos ver". Diz: "Se correr tudo bem". Vem a casa. Molha o pão no azeite. Olha para mim como se fosse a primeira e a última. Vem a casa. Traz mais um maço de tabaco. E surpresas. Vem a casa. Porque, sem ti, perdi a morada.

domingo, 19 de agosto de 2012

...

Tenho tudo para fazer o que é realmente importante e não acalmo. Virei a casa do avesso. Está tudo do avesso. Avanço. Acalmo. Continuo. Retrocedo. Quero cantar como tu. Morrer, mais tarde, como tu. Em esquecimento. Preciso de saber quanto tempo falta(quanto tempo falta? quanto tempo falta? quanto tempo falta?). para sempre é quanto tempo exactamente? E, quando esse tempo chegar, o que é que eu faço? Canto com ele? danço com ele? Choro com ele? Apanho gatos da rua? Levo o miúdo à escola e um dia foi há tanto tempo que este blogue que esta pessoa que o teu elástico preto que comprei porque queria fazer tudo bem. Sou ridícula. A única coisa que faço bem é comprar um elástico que tu nem usas. Amar-te, eu amar-te, faz-te mal. A tua mãe não gosta de mim. Os teus amigos pensam que desci de uma nave cravada de balas. E tu? E tu? E tu? Lembras-te?

sábado, 18 de agosto de 2012

Carta aberta a quem me gosta

Obrigada por me convidarem para almoçar. Senhores doutores. Marinheiros. Meninos de lábios cheios e com menos dez anos de vida do que eu, músicos cheios de pinta, mecânicos educados e colegas gentis. Obrigada pelos elogios obrigada pelos telefonemas e pelos tapetes vermelhos sempre estendidos. Obrigada até aos imbecis e aos egoístas aos extraterrestres e aos inúteis: no meio da sombra em que estou, até estes me conseguem ver. Obrigada. Daqui do sítio onde deveria estar o meu coração. Mas não posso. O coração ocupou o lugar do estômago. Não tenho muito apetite. Aproveito ainda para te pedir desculpa Mãe por não ter casado por não ter escolhido "alguém para me ajudar na vida" como tu dizes nessa tua maneira engraçada e triste de uma geração que nem deveria ser a tua. Desculpa Pai. Por ser assim torta e escolher o caminho das pedras. Por gostar dos que têm cabelos esquisitos e vidas complicadas, por me apaixonar por suicidas livres dependentes mágicos e ilusionistas. Por amar gente de verdade, que vive num mundo que não existe. E que, quando existe, e é de pedra e cal, me assusta. E corro... apavorada.

Suchard Express

Quero dizer-te que um dia deixo. De aparecer. Eu sei que o que importa é o que me pedes e eu que não respeito quando o que devias perceber é que eu não o faço porque te respeito. Falamos pouco. Entre nós e o mundo existem muitas cadeiras e pessoas e ninguém sabe - nem mesmo tu - que existe uma colina verde que poderíamos trepar. Eu acredito no Suchard Express. Tu, na lógica. Em Pavlov. Na Paz sem fogo. Não existe sempre uma fogueira e um cachimbo? Na Paz não se selam acordos com fumo? Eu, que não sei nada de ti, sei tudo de ti. Quero dizer-te que um dia vou deixar de aparecer. Não porque dói. Não porque pouco importa. Mas porque acredito no Suchard Express.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Guerreiro

Bater no mundo é bater em nós mesmos. Não sabia. Acreditem se quiserem. Bater em quem nos dá a mão é ter um bicho raivoso sempre de dentes prontos e que nos come o coração. Dizemos amor. Prometemos. Partimos cadeiras. Ficamos em sangue. Fugimos e ladramos e continuamos a bater em nós. Sempre a bater em nós. Quem cresceu em violência e nega a violência pode estar distraído. Poderá viver à espera da chapada. Na certeza do pontapé. Põe-se a jeito. Deixa. Permite. Tudo isto seria apenas uma grande estupidez não fora vivermos uma vida do lado do avesso. Arrastarmos gente connosco. Temos de aprender, sozinhos, que nos batemos, que nos fazemos mal, que nos fizemos tudo isto. Olhar para o espelho e deixar cair a máscara. Ou fazermos amor. Quando se dá a alma, através do corpo, descobre-se a essência do que somos. E descobrimos o quanto estávamos enganados. Em todo o guerreiro existe uma mão de criança embutida no peito.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Heróis

As crianças não precisam de pais heróis. Para isso têm o Spider Man, o Batman, o Hulk, a Barbie (a heroína da sedução). As crianças precisam de pais que pedem desculpa. Precisam de pais que erram. Precisam de pais que prometem e cumprem e que se não o conseguirem vão explicar duas, três, quatro, mil vezes, a razão pela qual faltaram à promessa. A olhar olhos nos olhos. As crianças não precisam de pais com músculos, que derrubam o vizinho com um sopro. Nem de mães que se desentendem com professores. Precisam de pais humanos. As crianças têm um mundo de imaginação que não precisa de mentiras em forma de maternidade ou paternidade. As crianças que crescem a acreditar que os pais são heróis perdem tudo demasiado cedo: a crença. Desconhecem tarde de mais a verdade: que, tal como eles, somos feitos de dúvidas. De perguntas. E que é isso que nos fez crescer e avançar e construir. Que nos permitiu ir à Lua e a Marte, inventar o Betadine e o Pacemaker. Que, tal como eles, também não sabemos coisas. Que, eles mesmos, os nossos filhos, nos ensinam tanto ou mais quanto aquilo que lhes tentamos ensinar. As crianças precisam de pais melhores: reais. Porque crescer a acreditar que um pai ou uma mãe pertencem à categoria dos heróis é, um dia, partir-lhes o coração. Amar é dizer a verdade. (Mas isto é só o que eu acho).

domingo, 12 de agosto de 2012

Posso?

Todas as famílias são esquisitas. A minha avó éra-o só mais um bocadinho. Quando me pedia para ir comprar vinho ao café, na volta, cantava-me um fado. De joelhos, em frente àquela figura enorme e amargurada, eu sorria um sorriso que devia ser triste e tonto. Era uma tonta. Ela dizia: "És tão ingénua, vais sofrer tanto com isso". E continuava a cantar. Eu era tonta de uma felicidade que não tinha justificação e a minha ingenuidade era essa. Tudo era possível. Quando cresci, lembrava-me da minha avó nos comboios, qunado os revisores olhavam para as minhas pernas, quando os senhores que passavam na rua me diziam coisas feias e despropositadas. Agora, hoje, neste segundo, continuo igual. Toda a minha violência é uma defesa. Eu sou umas pernas, uns lábios, umas mamas, uma barrriga, uns pés, uns olhos. Sou isso tudo, desde sempre. E, como não me considero um convite, continuarei a andar de baloiço vestida com uma saia, mesmo que se vejam as cuecas.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Eu não sou a Florbela Espanca não posso pagar a psicólogos nem consumir drogas

PREFÁCIO É também por isso que escrevo. A Florbela Espanca nasceu triste. Eu não. Dizem que queria voar. Que me atirei de um lugar alto e me parti toda. Uma criança que quer voar nasceu feliz. Desculpem-me os que aqui chegam e se deprimem. Não voltem. Não publicito este sítio. Assumo o meu nome porque cresci. E isto também sou eu. Quem me conhece sabe que sou a que fala mais alto, a última a deixar de dançar, a que conta anedotas. Não vou a psicólogos porque já fui e deixei de ter dinheiro para ir. Pouco fizeram. Queriam que eu falasse com uma cadeira e que fingisse que ali estava eu. Percebi o jogo. Não entrei na cura. Se , em 33 anos de vida, algo aprendi é que somos aquilo com que nascemos, mas acima de tudo aquilo que vivemos. E que vimos. Nada posso contra isso. Também não posso tomar drogas. Tenho um filho, não me é permitido morrer. Respeito quem me ama, a minha família. E tenho más ressacas. ASSUNTO Eu tinha quatro anos quando por amor, ciúme, vida, confusão, imaturidade, o meu pai me levou da minha mãe. Adorei-a quinze anos. Amei-a como só amo o meu filho. Todas as noites olhava para a Lua e sabia que ela via essa mesma Lua. E que me amava. Depois cresci. E ela estava sempre pouco tempo. Apenas no Verão. Nas Férias Grandes. No dia em que ela tinha de partir e me deixava no Vale, o comboio partia às 16h00 e desde as 16h15 (a hora a que eu chegava a casa), eu e a minha irmã mais velha fechávamos as janelas e chorávamos até adormecermos. Não comíamos. Ninguém nos acordava. Percebiam. O Pai. Os avós. Chorávamos essa metade do dia inteiro e uma parte gigante do que podíamos ter sido ficou ali, naquele colchão, ano após ano. Foram 10 anos. Mais ou menos. É uma dor incompreensível. É viver o luto de alguém vez após vez. Interminavelmente. Fiquei violenta. Até com quem amo. Perdi o meu amor porque o amo. Perdi o meu amor porque sempre tive medo de o perder. E perdi-o. Se o encontrarem um dia (e alguns de vós sabem quem ele é), digam-lhe apenas isto: eu não sei amar de outra maneira. Ele que me perdoe. Um dia. E, se puder, que me dê um toque (tenho a campainha estragada), que eu abro-lhe a porta.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Magia

Quero as coisas fáceis e estúpidas. Que me cortes as unhas dos pés. Que me ames para além do que é conveniente.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Morreste-me (em vida)

Se tu soubesses que todas as minhas palavras más eu não as sei porque as disse porque as fiz a razão porque em mim matei a última oportunidade de respirar. Todas estas ruas são tuas meu amor. Morreste-me (desculpa Peixoto).

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O espanhol

E a Laura. Nunca esquecerei.

Tanto

Preciso urgentemente de ser feliz. Não quero saber disso do tanto que tenho e é imenso que eu sei porque veio do meu ventre porque lhe daria a vida. Preciso urgentemente de ser feliz por ele. Preciso urgentemente do cheiro do meu menino e de ter tempo para lhe dar e de lhe ensinar como é viver sem o coração destroçado e entornado e ensombrado. Preciso urgentemente que me doa menos. Já ri, já dançei, já acreditei, já fui andar de barco e tudo. Voltei atrás. Tentei de novo. Falta-me tudo. Oferecem-me abraços e beijos e passeios e viagens e eu sou um pedaço de carne ao sol que não se importa que seque. Preciso urgentemente de ser feliz por vários dias, uns meses, para poder continuar. Preciso urgentemente de nenhuma dor.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Ninguém tem culpa

Hoje tenho duas coisas absolutamente fundamentais para escrever (porque não as quero esquecer) mas uma coisa azul clarinha talvez só me deixe dizer metade.Uma escrevo agora. A outra escrevo a seguir. Ou não. Acho que nunca disse: eu escrevo para não esquecer. Tem tanto de bom como de estúpido. Mas quando é bom, é como se os meus olhos fossem de mel. Espero conseguir dizer as duas. Existem quatrocentos mil blogues que são escritos todos da mesma maneira. Somos todos iguais. Nada a estranhar. Tudo bem, escrevam e escrevam sejam uma bandeira um carrasco uma princesa um solitário um zé ninguém, um ser espectacular. Escrevam. É uma sorte. Existe um blogue de segredos. Depois há pulseiras. E os leitores/seguidores/confessos/simpatizantes/pessoas de Bem e pessoas de Mal podem reconhecer-se. Eu gostava era de ter uma pulseira invisível mas que todos pudessem reconhecer. Explico: era uma pulseira como pó ou energia como andar com um cartaz gigante sem o cartaz. Uma pulseira invisível que dissesse qualquer coisa como esta pessoa está em coma esta pessoa tem mais em que pensar esta pessoa não quer pensar e esta pessoa não sabe dar conselhos. Neste momento. Por esta altura. Saberiam então que não me apetecem piropos na rua. Que gosto de toda a gente ( a sério), porque de quem eu não gosto nem sequer me apercebo. É uma não-existência. Desejo felicidade eterna às pessoas de quem não gosto, mas espero sempre que não me cumprimentem. Não vendo sorrisos. Gostava que não insistissem na fórmula do costume. Ser social cansa tanto. Depois perdemos e ninguém se apercebe que era porque estávamos em coma. Já não vou conseguir escrever a outra.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Limos

Para a esquerda, um círculo que pode encerrar um buraco. Ou a certeza de que não estava errada. Para a direita, um caminho que pode levar a um círculo que poderá encerrar um buraco ou até uma onda gigante com espuma tão suave quanto um beijo. Ou com areia tão agreste como o fio de uma navalha. Eu, no meio. O trapézio são limos. Por baixo uma e por cima outra. Vida. Seguir o coração não é resposta. Também o não é seguir a razão. Esperar não cabe em solução. E agora?

domingo, 29 de julho de 2012

O medo

Hoje é Domingo. Os sinos tocam e as filas de fé encontram um lugar no dia. Hoje é Domingo, há almoços e coisas para fazer. Lavam-se carros e arrumam-se cd's. Hoje é Domingo e há caminhos de volta. Reuniões. Lençóis na corda a refilar com o vento. Corações pequenos em estradas cheias de buracos. Hoje é Domingo e não há muito a esperar. Tudo continua amanhã e depois de amanhã. Hoje é Domingo e os cafés fecham mais cedo, outros estão encerrados para descanso do pessoal. Hoje, que é Domingo, regresso à cidade. Parada. Vazia. Suspensa. E não sei.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Impossibilidade

Prometeram-me o mundo. Disseram-me: ouve lá fora a felicidade, podes ter tudo isto. Era uma manhã amena e uma rua conhecida. Pediram-me em frases como as que dizem os protagonistas dos filmes como as que lemos nos romances de cordel nas novelas depois do jantar. Frases feitas que já ninguém diz. Disseram-mas. Que contariam ao mundo em parangonas, que fariam rugir os leões. Vieram com um cavalo branco, como nas histórias em que não acredito. Ao fundo, uma música que eu não conhecia. Falaram de tudo aquilo com que eu sonho, como se tivesse escrito nos olhos o que anseio e alguém, do outro lado, tivesse adivinhado. Adivinharam-te. Somos sempre culpados daquilo em que acreditamos.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Não

Chegará o dia em que perceberás que as cartas voam mesmo quando não as sopram. Existe o mar. Existe a crença. Existe o poder que em nós se ergue mesmo quando estamos deitados. Enquanto os meses passam, há ervas daninhas que tu não vês. Existem árvores. Existem verdades. Existem sombras e fantasmas. Tudo te parece fácil à mão de semear. Lá longe, no tempo das coisas que ainda não chegaram, uma mão serena. Nessa mão existem linhas que tu não conheces. Faltar-te-ão as palavras. Os segredos que temias serão uma verdade que te espanta. E que te ignora. Como um "Não" que te parece certo certo e certo. Eu vim de lá. Sei como termina.

domingo, 22 de julho de 2012

Alfabeto do coração

De que me valem todas as palavras do mundo? Construir coisas com elas fazê-las saltar atirá-las mais para diante, enrolá-las entre os dedos, torná-las fininhas ou grossas como uma boca cheia de riso como um comboio em hora de ponta? De que me valem as palavras de arte, torcidas como linha de renda, telas e Arraiolos, de que vale serem todas força, derramarem-se sobre a página como onda a descansar na areia? De que me vale a beleza de tudo isto, olhar através das janelas e encontrar sempre alguma coisa para dizer de outra maneira. De que me valem todos os poemas do mundo, todas as coisas que sei, essas danças intermináveis na minha cabeça? De que me vale esta página inteira? De que me vale tudo o que acontece por fora? De que me vale o discurso certo e a frase fácil se não sei o alfabeto do coração?

terça-feira, 17 de julho de 2012

Em nome do pai

Estava decidido. Calar-me-ia. Ela tinha dito que o pai a fora visitar. Esta noite foi a minha vez. Não me lembro de nada e lembro-me de tudo: essa luz que só quem foi amado conhece. A luz acordou comigo. Todo o amor que me plantou floresceu. Os meus pés tocaram no chão e caminhei até à sala. Liguei a uma das quatro. Disse-lhe. Esqueci-me entretanto. Estava decidido. Calar-me-ia. Trabalhei. Fui visitar o amor maior. Fomos à praia. E, pelo caminho, a luz que ele fora, voltou a lembrar-me. Era ele quem me dizia para não me esquecer de encher o depósito da água. O carro avisava-me e eu não percebi. A mão de quem nos amou nunca parte. Vive dentro de nós. Há quem a encontre na religião, na fé, em coisas de vozes do Além. Eu acredito na mão do amor, que fica na memória. Basta termos sido amados apenas uma vez para nunca mais caminharmos sozinhos. E eu nunca caminho sozinha. Depois da água, o mergulho, depois do mergulho, o caminho. E foi no caminho que percebi. Tu dizias, pai, tu dizias: "Vai devagarinho. Enquanto tens medo, vai devagarinho. Deixa-os buzinar, deixa-os insultarem-te, vai na tua, chegas lá na mesma. A estrada também é tua e tu vais como te sentires melhor". Pai: vou devagarinho. E não me calo. A estrada também é minha. Amo-te.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Silêncio

Conheço alguns dos que aqui passam. Gosto deles. Os outros, que não conheço, gosto também. Escrevi isto, algures por aqui, e era para o P. Agora, é para mim. E para quem aqui vier e encontrar o silêncio. Sei que volto. Não sei é quando. Obrigada por me terem acompanhado. "Para que escrevas, a dor tem de ser amena, a meio termo. Tal e qual a alegria. Tudo o que tocar no extremo será difícil de decompor. Se te esfrangalhas não podes dizer nada: há um lugar onde as palavras não existem, só uivos. Se for demasiado, apenas encontrarás folhas em branco. Irás fugir de tudo isso. O luto pressupõe que a carne rasgada se esteja a fechar. Por isso é que se chama luto. Antes disso e, às vezes, depois disso, não há talento arte ou condição que te valha. Não há nada. O mais assustador é esse vazio que te entra pela boca, te tolhe a língua, te mói os músculos. Abres e fechas a boca e dizes coisas como Bom Dia ou Boa Tarde e elas são o teu último esforço. É preciso que passe o tempo. Esse ditador e usurpador. Só depois. Então."

domingo, 15 de julho de 2012

Sábado

Não pertencer a lado algum e assistir ao mesmo em todo o lado. Alguém tocava contrabaixo. Ela, tão bonita, ele, tão distante. Ela, que é ajudante de mecânico, que tem olhos azuis céu e cabeça rapada. Que cumprimenta todos os que passam, sao todos importantes. Faz-me perguntas às quais eu não sei responder. Um mundo inteiro desconhecido entre nós. Alguém a tocar contrabaixo, alguém a beber cerveja, e eu a pertencer a lado algum, a seguir em frente como que por arrasto, espectadora de tudo sem perceber o peso da solidão. Ele, de rastas negras como o rosto, um mundo inteiro desconhecido entre nós. Coisas como partituras, coisas como burrice, coisas como tocar na rua e seguir em frente. Eu a falar do Conservatório. Um mundo inteiro desconhecido entre mim e os outros. E tão iguais. Ela, a apanhar um táxi ainda nem eram duas. Eu, com ela. Ele, com outra. O passado aqui tão perto quando nada podia ser mas tudo ainda iria ser. Alguém estrela um ovo e devem ser sete da manhã. Não quero ouvir barulho. Dentro da minha cabeça os meus sapatos, a rua inteira, pessoas que gostam de mim mesmo quando existem mundos desconhecidos entre nós. Não pertencer a lado algum e assistir ao mesmo. Cheiros diferentes, braços e pernas, sorrisos, dentes tortos, dentes direitos, olhos azuis profundos, olhos escuros como a noite. "És tão bonita". Um buraco profundo e enjoativo no escuro, por onde caio devagar, com um sorriso torto, até ao entardecer.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Lição

Amanhã é já amanhã a minha rua vai ser um Carnaval. Dançarei com eles. Os sorrisos que me encontrarem na rua serão mesmo sorrisos e não a prova de que o mundo continuou (que o mundo continuou!). Continuarei com ele. Comerei cerejas e não aquilo que sabe a cerejas mas que o meu coração não consegue reconhecer. Quero cerejas no meu coração. Não que esqueça. Não que não guarde no peito. Não que me lembre como do sangue depois do corte. Eu sei. Saberei. Mas será terno e doce. Uma coisa que afago e não uma coisa de que fujo ou a que me atiro com todo o estrondo. E estrago. Algo de que me admiro. Que é bonito e não o pior retrato dos homens e das mulheres. Do horror que todos temos. Quero olhar para o horror e seguir em frente. Dizer-lhe adeus até com uma certa candura, que todo ele nasceu do desconhecimento. Um erro persistente pode ser uma lição nunca aprendida. Sim. Amanhã eu lavarei a loiça não como um condenado à forca mas como quem está só a lavar a loiça. Quero saber de tudo debaixo do chuveiro e olhar de frente para o espelho. Não fugir do espelho para que ele não me devolva a verdade. Que seja verdade. Mas que não seja tristeza. Amanhã é já amanhã vou contar os vestidos fazer contas aos textos e continuar aqui mas mais para o lado. Sabes? Como quem espera da melhor maneira que existe. Da única que deveria ser autorizada: esperar enquanto dança. Levar isto a dançar, nunca em círculos. Andar para a frente com o coração carregado de histórias e da mesma história contada de outras maneiras. Guardar no peito guardar no peito e dançar.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Miguel Bombarda

Ergues os braços e soltas gemidos crias noites sem nexo onde apenas se ouvem teus gritos num mar de sargaços. És louco e, dos teus dias, teces teias de nadas. Não és um louco só. Teus irmãos esperam por ti. Nas ruas. Nas esquinas. No pó. Por onde passas. Também aqui. E gemem-te pedindo favores. Que são cigarros ou amores. Que são tanto, na tua loucura. Que são espanto, na nossa vida e candura. És louco. E esperas muito.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Mergulho

Enquanto uma de mim está sentada, a outra levanta-se e rega as plantas, corre atrasada, faz telefonemas, enche sacos no supermercado, junta palavras que são importantes e necessárias. Dizem eles. A outra de mim vai sempre mais devagar e parece-lhe tudo muito vago. Traz uns óculos escuros muito grandes e um lenço de cor indefinida que é imune ao calor aos meses ao tempo que agora é este. Tem um ar incrédulo enquanto vê a outra de mim continuar. Não está à espera de nada mas espera tudo. É a única que sabe a verdadeira contagem do relógio, é a única que conhece o caminho que não está a ser feito. Sentada que está, também se levanta e às vezes vai com a outra de mim. Tem de ser. Fica sempre um passo atrás, a assistir. E tudo lhe parece irreal. Não é. Chegará o tempo em que se encontrarão e talvez um abraço e talvez nada. Espero que aconteça durante um mergulho, à sombra de uma árvore, que haja em todo esse momento o esquecimento necessário para não existir memória do encontro. Chama-se cura e nunca sabemos quando acontece. Melhor assim.

sábado, 30 de junho de 2012

A ponta do meu amor

A tragédia só existe em nós quando a pudemos ver nos olhos dos outros. É daquelas coisas que precisam de público para serem verdade. Como um porco a voar. Eu posso vê-lo, mas só o sinto verdade se o meu cotovelo poder tocar em alguém e do outro lado eu ouvir o mesmo que digo - às vezes, ao mesmo tempo - "Não acredito". A tragédia de tudo isto acontece nas outras pessoas. Começam a telefonar. Convidam-me para fazer coisas. Acho até que o dono do café me fala com mais cuidado. Fico espantada. Estou ligeiramente paranóica. A tragédia espalhou-se e dão-me muitos conselhos. Chateiam-me. Ajudam-me. Não fazem nada. Mas, entretanto, a tragédia começa a ganhar forma, tem olhos e boca, ganhou pernas. E, sendo uma tragédia, assume um encolher de ombros. Ah mas eu não me vergo à tragédia. Cola-se a mim e tem coisas más para me dizer. Atiro-lhe com livros e gargalhadas, com sonhos, com luzes, com esperanças, com sol e com sumo de laranja. Atiro-lhe violentamente com a massa de que sou feita, a mesma massa confusa, a mesma massa quebrada, mas que às vezes, e por muitas vezes, é um bolo inteiro que se devora. A ponta do meu amor. Regressar a ele ou nunca regressar. Estar nele. A tragédia será sempre pequena por comparação. Não vale nada se eu tiver as unhas dos pés pintadas. Coisas por dizer. Coração a bater. Capacidade de sentir. Um dia destes arrumo a casa, pinto a parede do jardim e mostro à tragédia como é que se dança em cima de uma campa.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Inquilinos

Apanha-nos a meio de uma conversa, quando abrimos os olhos de manhã, no momento em que ligamos o rádio do carro. Então, o caminho que fora feito até ali, fica como que perdido no fundo dos olhos e só conseguimos reparar no dia triste. Combater é pouco. Há que aceitar e aceitamos. A ausência dos que amamos. Os que nos fazem uma falta danada. Começam a ser tantos, como bonecos de papel recortados que vivem estendidos no coração. Eu sei que é impossível mas parece-me que o sangue corre mais devagar depois de perdermos alguém. Ou de alguém se perder de nós, que também acontece. É uma saudade cortante porque não carrega esperança, não há como marcar uma data no calendário para o reencontro. Não se pode. Não se quer. Se éramos tão felizes antes, tão imensamente tranquilos, era porque desconhecíamos isto. Tínhamos a sorte de nada ter perdido. Perderamos pouco. E continuávamos. Sabíamos lá que era assim: um passo à frente do outro, o peso de todos os que nos faltam a minguar-nos. Bonequinhos de papel tão frágeis que tememos rasgá-los na medida em que é impossível esquecê-los. Por isto é que eu, tão leve, caminho com passos tão pesados (tu dizias, olha os vizinhos, faz pouco barulho ao andar). Vive muita gente dentro de mim.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Berlinde

Uma gaveta meias e coração uma gaveta camisolas e esperança uma gaveta é amor. Tu que sabias isso. E ainda assim. O tempo andamos todos a venerar o tempo que é tão sábio mas sabes o que é que o tempo é? O tempo é apenas a vida a correr, a ser as coisas de todos os dias. Não há milagre algum. O tempo leva tudo. O que transforma também aniquila. Temos tão pouco tempo. Todos nós. E parece que temos o tempo todo grande como um berlinde. Não te esqueças que o tempo é um berlinde que rola e que por vezes ganhamos e outras perdemos. E o que eram joelhos esfolados, hoje é outra coisa que é o que vai. O que vai. Tantas vezes vamos com ele. Não parece. Mas é.

sábado, 23 de junho de 2012

Obrigada, eu tenho lume

Um dia depois de me dizeres as coisas que eu não sabia, comprei uma arma na Feira da Ladra. Custou noventa cêntimos, o vendedor não se importou de receber tão pouco porque eu tinha um vestido com caveiras e ele um livro com uma caveira porque eu tenho a tatuagem de um bruxo nas costas e ele não tem dentes. Está certo. A vida e a droga podem ser coisas muito parecidas. A arma é um isqueiro. Quando carregamos no botão deverá sair lume pelo cano. Eu não sei se sai. Não tem combustível e se calhar é por isso que só custou noventa cêntimos porque não funciona apesar de ele ter prometido que se não funcionasse me ofereceria, da próxima vez, um isqueiro que fosse uma espada. O vendedor achou que tinha de ser alguma coisa que servisse para lembrar um objecto de morte, claro que as caveiras não ajudaram e se calhar a tatuagem que parece um bruxo mas é um sábio - o costume, portanto - também não. Um dia depois de me dizeres as coisas que eu não sabia comprei um isqueiro que não funciona porque é uma arma, eu, que não gosto de armas, eu que nunca as ofereci nem irei oferecer ao meu menino. Comprei uma arma porque na verdade as coisas que disseste deveriam estar mortas. Ou não existir. O meu reino para não as ter ouvido. Comprei uma arma e gosto dela, ou dele, deste meu isqueiro. Comprei uma arma que é um isqueiro para me lembrar que existem coisas das quais nos precisamos de defender. Por agora, o meu peito não está aberto às balas. Ao primeiro tiro, vou limitar-me a acender um cigarro.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Necessidade

Senhor Doutor, dói-me a tristeza. Não é dor de corno nem saudade. Não, não ando deprimida ou ansiosa. É outra coisa. Doutor, veja lá, encontre um nome para este lugar aqui. Mais ou menos entre o coração e o estômago, mas assim de lado, com reflexos no coração e no estômago, mas não são esses que doem mais. Dói-me o lugar da tristeza. Não é um órgão; tem a certeza? Pois, mas é exactamente aí que me dói. Os sintomas são: dificuldade em respirar fundo, sonhos confusos e longos e perda de memória decente. Só me lembro de coisas que não servem para nada. Queria ter uma dor de garganta, de cabeça, ter partido o pé, deslocado a clavícula. São coisas que as pessoas entendem. Para isto, existem senhas cor-de-rosa e médicos à nossa espera. Podemos dizer aos amigos: não ando muito bem, parti o pé. Se lhes digo que me dói a tristeza, convidam-me para ver filmes, oferecem-me cerveja, falam-me de um novo parque para ir com o miúdo. Eu vejo, eu bebo, eu vou. Enquanto a dor continua. E calo-me. Senhor Doutor, não lhe peço a cura, mas um analgésico. Três ou quatro horas de descanso, ou então oito, ainda melhor. E um nome para este lugar onde me dói tanto.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Em louvor dos homens que nos amam

Existem. Existiram. Por causa deles, vivemos com o coração a assobiar uma música eterna. São homens que nos afastam o mal. Guardamo-los no peito e nos dias. As mãos da nossa memória têm os seus dedos: esguios. Os homens que nos amam sopram vida para dentro de nós. Nos seus colos descansámos. Descansamos. Os homens que nos amam inventaram uma religião, tornaram-nos crentes. São maus, são bons, compatíveis e incompatíveis, feios e bonitos, mas são a nossa carne também. Ainda que o neguemos, são nossos filhos e nossos pais. Os homens que nos amam trazem consigo esta confusão consentida: tornam-nos meninas e mulheres. Fazem de nós únicas. Este é o seu poder. E não compreende qualquer gratidão. Os homens que nos amam são uma bandeira que trazemos hasteada no coração e que ninguém vê. Transformam-nos. Somos só um nome: Esperança. E quem já a perdeu toda e inteira sabe do que falo. E o quanto vale. Os homens que nos amam não nos dão passados nem futuros. Apenas presente. Tornam-nos certas. E é essa certeza que nos salvará a vida toda. Os homens que nos amam foram um apenas ou vários, mas permanecem. Como a música que ninguém ouve, mas que está cá dentro. Como eles.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Adiante

Claro que tenho medo. Estou repleta de medo. Todos os meus poros são medo. Os dias caminham rápido e as derrotas tantas tantas. Porque este é o tempo de todos os medos. Sim, eu tenho medo. Estou aterrorizada. Mas não consigo gritar. Nesta batalha os gritos e as lágrimas ocupam demasiado espaço. Precisamos de verde e de céu dessas coisas que são as únicas que sobram quando ficamos com nada. Precisamos de respirar. E eu respiro. Aqui, no meio do medo. Respiro e avanço. Avanço com o que tenho e com o que não tenho. Avanço em farrapos, em sangue e em carne a doer, se for preciso. Mas avanço. As mulheres choram enquanto caminham. E eu não posso parar.

sábado, 16 de junho de 2012

Paz torta

Quando tu não estás eu faço coisas estúpidas. Tenho de as fazer. É a forma que tenho de me revoltar. Apago cigarros em chávenas não rego as plantas e acendo o candeeiro muito tarde. Quando tu não estás. Tenho conversas longas que me parecem certas e combino coisas para segunda quarta e quinta, sabendo que no domingo na terça e na própria quinta vou desmarcar. Porque mesmo quando tu não estás, estás sempre. Quanto tu estás como as batatas fritas e elas não me sabem a nada. Tudo o que tenho a dizer não cabe nesse espaço. Quando tu estás eu faço coisas estúpidas. Como não reparar nos sinais de trânsito. Portar-me mal de propósito. É a minha forma de me revoltar. E estou sempre bem, o que é surpreendente. Mais ainda descobrir que afinal não. Mas isto é quando gritamos pela Irlanda ou me cortas o cabelo à Cleópatra durante os sonhos. Vai tudo mal no meu subconsciente. Entretanto, passa-me aí o isqueiro. Obrigada.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Sei lá

Não me consigo lembrar não me consigo lembrar. Música, ouvíamos música? Não me consigo lembrar não me consigo lembrar. Essa rua dá-me naúseas e não tenho sorrisos de reserva. Sei tudo aquilo que pedi o custo o custo o custo. E nada. Não me consigo lembrar não me consigo lembrar. Porque tenho esta certeza de que quando os meus pés mal tocavam o chão, nessa crença tão pura, o mundo da lógica ia destruindo o melhor de tudo. Não me consigo lembrar não me consigo lembrar. Houve sempre um caderno com instruções? Não me consigo lembrar não me consigo lembrar.

domingo, 10 de junho de 2012

LEALDADE

Foste-me desleal, a mim, que tive por ti a mais cruel lealdade. Camões dizia que amor é ter com quem nos mata lealdade. Tu dirias que isso é estúpido e essa é toda a razão da tua deslealdade. Foste-me desleal. Eu que daria este peito para que o rasgassem que te levaria ao Inferno se o bilhete fosse de ida que te amei da única maneira que sei: assim, lealmente. Foste-me desleal. E eu que aceito toda essa mesquinha infidelidade que magoa tantos que me magoa a mim mas que não me arranca o brilho. Que não me destrói amores. Somos todos fracos. Não me contes, sempre te pedi. Nunca compreendeste. Mas a lealdade? Como pudeste tu recusar-me essa lealdade, como poderia confiar que me agarrarias quando estivesse a cair? Defender-te-ia ainda que tivesses matado, ama-se um criminoso, o amor é a medida desta impossibilidade. Estaria por ti contra todos, sem essas defesas que ergueste, essa semi-lealdade que é nada. Só existe uma forma de ser leal: em absoluto. Poderás jurar a pés juntos que me foste leal. Sempre. Porque tu não sabes. E, como não sabes, não foste. Ser-se leal é arriscar a vergonha, o diz que disse, o correr mal, o entornar o copo, estragar a noite, deixar cair o muro, pedir desculpa, recomeçar, mas segurar. Segurar sempre quem se ama. E se tanto amor era esse onde escondeste a cegueira? Somos cegos no amor, vendo, pela mesma razão que somos leais aos que não têm perdão. Não é a nossa aprovação que oferecemos. Nem o nosso aplauso. Amamos quem nos envergonha. Amamos quem não segue os nossos passos. Amamos o preto sendo brancos. Amamos o que corre mal de olhos postos no que corre bem cá dentro. Porque é cá dentro que existe o amor. No coração. Nunca na lógica. A lealdade não é uma conquista. Não é o "faz isto que eu te darei aquilo". Ninguém faz por merecer a lealdade. Não é uma construção. É espontânea, como o amor, ergue-se a partir de coisas sem nome. Não nos ficamos. Partimos para a frente da batalha porque o nosso amor levou com uma bala no ombro. Ficamos gigantes. Podemos tudo. E, não podendo nada, pudémos isso: a verdade do que sentimos, a imensidão do que somos, a alma que teremos. Como os meninos. Em pactos de sangue. É preciso tão pouco - basta um dedo a sangrar - para selar um compromisso. Mas, sem lealdade, irás cortar-te em todos os vidros do imaculado que partiste.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Hoje é o momento

Quero viver num mundo liso de desenhos animados o verde é mesmo verde o assim assim é assim assim com direito e esquerdo e no meio existem coisas. Quero que tudo tenha nomes. Sou uma criança este mundo é enorme e não sei todos os sentimentos. Expliquem-me. No mundo dos desenhos animados as coisas entendem-se. Estar triste é estar triste e estar feliz é estar feliz. Preciso de coerência. Não preciso de psicólogos nem de psiquiatras terapeutas psicanalistas bruxos cartomantes pais de santo ou pessoas novas. Basta-me que tudo seja liso porque acredito em coisas brutas. Dizem que o bruto é mau mas o bruto é o que é. Com partes feias, mas é. Nos filmes que o meu filho vê tudo tem cores definidas. Não sei isso da diplomacia. Uso mentiras brancas mas são inteiras. Podiam ser verdades que ficava tudo igual. O que interessa a minha opinião? O último diálogo é connosco. Estamos sós. Não interessa a opinião de alguém. Quero que me falem das coisas e que sejam as mesmas coisas que ouço. Perdemos tanto tempo a ganhar e a perder. Nas fintas. A esperar o momento certo. Hoje é o momento. As coisas têm nomes. E acontecem mesmo quando não se dizem.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Tem de ser

Somos todos muita coisa que não contamos. Os que escrevem trazem com as palavras ternuras e traumas e podem espantar-se todos com o mundo com os mundos as coisas inteiras absurdas ou inimagináveis que só se sabe quando alguém escreve. E sabe-se. E mesmo assim, do outro lado, os que contam, não contam bem, nunca dizem a verdade toda ou porque já não se lembram ou porque é assim que a sentem ou porque não podem. Dizem que os escritores escrevem por isto ou por aquilo porque querem amor porque querem ser conhecidos reconhecidos. Porque sabem. Não acredito em nada disto. Só acredito nos que disserem que escrevem porque tem de ser porque é assim. E depois encolhem os ombros e depois são bichos e pessoas com as quais ninguém quer estar ou às vezes até se quer estar. Não acredito em muitos escritores. Não acredito na maior parte deles. Não preciso que me contem nada. A verdade descobre-se é quando sem querer se confessam quando por lapso se destapam quando, com a mesma vergonha e medo e respeito, puxo de novo o véu em renda que cobre o rosto do morto. E calo-me. Só acredito nos que precisam. Escrever não é um trabalho. Gosto dos que me divertem. Respeito os que me ensinam. Doem-me os que precisam. E são estes os escritores.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Lamento

"Mas não tens noites livres durante a semana? Tu não te prendas, tu vive...". Dizia. Eu ouvi. E sorri. Desde quando o amor é uma prisão? Sorri. Quero saber onde ele está é agora. Porque eu sei que o meu menino vai crescer e que não me vai querer por perto. Não me prendo agora? Eu quero é prender-me agora desalmadamente, quero cheirar-lhe a t-shirt, adormecê-lo à noite porque daqui a pouco é já daqui a pouco ele cresce e deixa de aqui estar. Porque eu sei que tudo passa assim num instante. Ele vem da escola. Quero saber o que aprendeu. Quero estar presa nos olhos dele enquanto posso. Jogar à sardinha, saber exactamente onde é que ele está às nove da noite. Daqui a pouco, é já a seguir, ele não me vai dizer onde está. Tu não te prendas e eu sorrio. Um café? Um cinema? Uma esplanada? Um jantar? Claro que sim. Tenho de encontrar lugar na agenda. Primeiro, o amor. Quero prender-me, lamento.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Devagar

Enquanto faço o jantar salsa cenoura o dia desce lá fora e este calor deixa-me os pés nus no chão. Espreito e vejo-te lá ao fundo, meio de lado, a esquina que te cobre metade do corpo sei da janela aberta aquela que tu temes porque eu te disse cuidado. Mas está aberta. E eu espreito estou sempre a espreitar. Claro. Sou feliz aqui com tudo o que me falta com tudo o que não posso lembrar. Sou feliz aqui nesta rotina da salsa e cenoura e do texto para escrever e do telefone a tocar e mudo-te os calções enquanto combino coisas de dinheiro e de comida na mesa e de sonhos também. O meu sonho era mais ou menos este. Vamos ficar no mais. Sou feliz aqui, não penso no menos. Enquanto descansas atravessado deixei de fazer contas, sabias? Corri tanto, corri muito, para parar à tua frente e saber que me chega. Depois de perder muito. O dia desce lá fora salsa cenoura a louça por lavar amanhã arranjo as unhas porque isso agora não importa poqrue viajo aqui dentro. Aqui dentro. Sente. Está a bater. Todos o medos. Não quero ter. Parei à tua frente e soube. Quando todos diziam não vás não faças eu escolhi parar à tua frente. Por isso é que quando te espreito e vejo metade de ti por causa da esquina, sou feliz. Precisamos todos de parar. Horas para acordar. Horas para adormecer. Fiquei muito cansada. Quero descansar no teu amor. Amor. Nada me falta.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O dialecto da perfeição

Que queres que te diga? Estás sempre do lado do Bem. Não acusas um defeito, não há nódoa que te manche. Queres que concorde, que não faça um sorriso de lado, que não veja nisso piada? Em dias bons, até ternura. Que queres que te diga? Tenho defeitos, gosto de gente com defeitos, é no "fiz asneira" que acredito. Não percebo a indignação. Não percebo a ausência de mácula. Nunca te arrependeste de nada? Fizeste sempre tudo bem? Há sempre música de fundo na tua vida? Houve um tempo em que te julguei deste lado. O melhor lado. Disseste "fiz asneira". Quero que digas acordei tarde e não podia quero que digas disse algo que não devia quero que digas tenho vergonha quero que digas as coisas de que foges. Não vale dizer "mas eu não sou perfeito". Quero ver a tristeza e o nojo. Não para te acusar, mas para que te possa VER. Sempre te espantaste. Nos piores momentos, não gritei. Eu acredito em gente inteira, que faz asneira. Sei lidar com gente real. Essa língua perfeita, não sei falar.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Ainda não sei

Não devia ser assim. Tu disseste que não ia ser assim. Tínhamos um pacto. De todos, eras tu quem me diria. Passaram três anos Pai e foste de vez. Queria falar em sinais, dizer que me vieste visitar em todos os sonhos, que rimos e cantámos. Que sinto o teu cheiro, que sei coisas que não conto. Mentira. Foste de vez. E eu tenho coisas para te explicar. Eu e a minha doida esperança. Há três anos, por esta hora, o meu estômago o meu coração os meus braços, tudo embrulhado naquela viagem, o calor, o estúpido do céu azul, as estúpidas das pessoas com medo na voz. EU NÃO TINHA MEDO. Estava a fazer pactos, a conversar com Deus e com o Diabo, a prometer coisas. Pouparam-nos. Quiseram poupar-nos e eu imaginava que estavas mal, mas que ainda havia tempo. Não houve tempo nenhum. Qual beleza? Foste de vez. Nunca mais te vi. E continuo à tua espera. Pai. Porquê? Ainda não sei.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Os barcos também se afundam

Acho que nunca percebeste o que sentia por ti. Nunca quis realmente saber do acessório. Gostar de ti, achava eu, era gostar de coisas inteiras. Boas. Era a minha verdade e essa verdade era algo que fazia bem. Éramos amigas e éramos amigas. O que eu sentia por ti nunca foram as saídas os copos as coisas de meninas e meninos. Nem sequer as tristezas e confidências. Ou o riso, que era tanto. O que eu sentia por ti era a coisa certa. Eras o meu maior orgulho. Sempre foste o meu orgulho, o que não se inveja, o que se cuida. Eras a minha história. Estiveste lá naqueles momentos. Sabes. Acho que nunca percebeste o que eu sentia por ti. Nunca foi o cabelo ou a roupa emprestada. Eu gostava de dizer e dizia que eras a melhor pessoa que eu conhecia. Eu costumava dizer e dizia que nunca nos tínhamos chateado. Em mais de metade de uma vida, desta que é a nossa, em mais de 15 anos, eu nunca tinha tido uma dúvida de que gostavas de mim. Nem sempre gostei dos teus namorados. Dos teus outros amigos. Das tuas decisões. Mas eu tinha a certeza e dizia que eras a melhor pessoa que eu conhecia. Eu era tua amiga. Éramos amigas. Estava certo. Tu pensas que eu mudei, eu não penso que tenhas mudado. Não mudei. Não mudámos. Um dia disseste coisas que eu não sabia. Um dia disseste coisas que eu não reconhecia. Um dia perdeste. Eu sei, eu sei que quando se perde muito, pouco importa o que se perde depois. Eu não quero saber das coisas que não me contas. Que não te conto. Eu tenho todos estes anos comigo. E este tempo. Mas acho que nunca percebeste o que sentia por ti. Como é que eu digo agora que é tudo certo, depois de ter ficado tudo errado?

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Em louvor dos filhos da puta

Estive sempre do lado da defesa dos homens filhos da puta. Os filhos da puta podem contar com o meu respeito. Sempre. Os filhos da puta dizem mentiras suaves, chamam as meninas de rainhas e princesas e ambos os lados sabem perfeitamente do que é que se trata. Os filhos da puta não dizem: "Amo-te". Têm maneiras. Respeitam um código de honra, comum a todos os filhos da puta. Os filhos da puta querem levar as mulheres para a cama. E, não disfarçando, disfarçam. Têm charme, são cavalheiros, dizem: "Importas-te de ir abrir a torneira/ligar o esquentador?", só para terem uns segundos livres e poderem enviar uma mensagem sem causar má impressão. Não causavam. Mas fica-lhes bem. Os filhos da puta são o que são. As cantigas servem para o que se sabe. Ouvimos se quisermos. Dançamos se nos apetecer. Os filhos da puta dão jeito. Mas depois há os que querem ser filhos da puta mas são apenas saloios. Medíocres. Palhaços. Perguntam pela família, mas querem lá saber, fingem que se interessam pela profissão, enquanto tentam calcular as hipóteses de através do choradinho/desabafo/compreensão/tentativa de identificação, conseguirem uma noite. Uma hora, vá. Também serve. É deprimente. O que eu gosto de filhos da puta. O que eu admiro gente que é o que é. Podia ser mais. Mas, foi o que calhou e não esticam a corda. Não me apaixono por filhos da puta. Se já me apaixonei, então era o Rei dos filhos da puta, porque não reparei. Os filhos da puta não servem para amar. Eles não querem. As mulheres não o deveriam querer. Os filhos da puta são engraçados. São mesmo engraçados. A sério. São amigos, embora tentem sempre a sua sorte. Um dia desistem. Tenho amigos filhos da puta e gosto deles. Lá está, ganharam o meu respeito. Palhaços, nem no circo. Coitadinhos, não há paciência. Pintainhos armados em durões, causam-me arrepios. Estes então. Nem sei. Querem chocar e vão pelo atrevimento. Apanham uma mulher que diz uma asneira a meio da frase ou que não tem paciência para a coqueteria e ui, parece que se inflamam: é como se de repente vissem uma auto-estrada de permissão. Palhaços tristes. Nunca serão filhos da puta. Nem outra coisa qualquer.

Segredos

Vejo-as em cima dos saltos e sei. Também os usei. A minha cara redonda, uma luz de madrugada nas bochechas, um bebé de poucos meses lá em casa. Toda essa violência,um susto tamanho, de quando um filho nos toma conta do corpo, nos leva as certezas, nos transforma tornozelos e braços, nos pulveriza como se o amor pudesse fazer desaparecer. E faz. Ou quase. Eu vejo-as em cima dos saltos mortas de medo de não se reencontrarem. A tentativa de fazer o mesmo caminho. E não há saltos que nos valham. Esse caminho é para esquecer. Há outro mais à frente, mas só mais à frente, até lá ainda somos carne. Só carne. O corpo morno é o de um bebé, somos a extensão de outro ser e não nos reconhecemos. As pessoas dizem a beleza falam do brilho passam ao lado da maternidade em adjectivos que esquecem a magia. E a verdade. Porque em cima dos saltos não sabemos que continuamos nuas, que somos apenas carne morna que ainda não nos pertencemos. Se fecharmos os olhos já não nos vemos. Temos um segredo. As mães que passam na rua têm coisas para contar mas nunca ninguém vai saber.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

O amor debaixo dos meus pés

Nunca os ouvi discutir. Nunca os ouvi rir. Quando me mudei, viviam no rés-do-chão. Ele ouvia música estranha a horas em que o som só poderia servir, achava eu, para disfarçar o barulho de amantes. Acho que estava enganada. Ela estendia a roupa na corda, tantas cuecas de enfiada e eu aprendia que as relações entre as pessoas são mesmo diferentes e a minha a mais esquizofrénica de todas. Nunca os ouvi discutir. Nunca os ouvi rir. Viviam juntos pela primeira vez em casal. Convidavam os pais e os avós. Ela dizia nos jantares no quintal: “Então mas conte lá como era a sua vida em criança”. Às vezes parecia que eram casados. Há muitos anos. E era bom. E era mau. Parecia-me, feitas as contas, bom. Andavam de bicicleta, compraram duas iguais. Ele decidiu fazer uma feira de livros usados, já não tinham espaço em casa para os livros dele. Um dia ele começou a tocar piano. Ele ou um amigo dele. Tocavam, um ou outro, muito mal. Foi lá passar férias um casal. Com um filho pequeno. Falavam castelhano. Ele ouvia música estranha, já disse? Ela estendia roupa na corda e ia a concertos com as amigas. Colavam recados tão bem escritos, a computador, muito direitinhos, nas paredes do prédio: “Hoje vamos fazer um churrasco”, “Hoje vamos ter um jantar”, “Hoje vamo-nos juntar todos nos jardins”, coisas assim, de vizinhos a serem felizes a viverem juntos pela primeira vez a serem grandes assim como os pais e os avós. Achava bonito. Nunca os ouvi discutir. Nunca os ouvi rir. Houve um dia em que ela passou com um saco na mão, um mundo de desilusão no olhar. O tecto da minha sala caiu e eu desci ao rés-do-chão para pedir o contacto do senhorio. Ele, que ouvia música estranha, não abriu a porta. A música calou-se. Mas ele estava lá, que eu sei. Subi. Fiquei à espera de um papel colado na parede “Hoje vamos terminar a nossa relação e sair de casa”. Não houve papel. Levaram as bicicletas, falaram um bocadinho mais alto por causa das coisas do jardim. E foram. Deixaram a mangueira, as flores, os vasos, as luvas do churrasco, o grelhador, o tapete de entrada. Desistiram como se fugissem. Um berro, um mar de lágrimas, três ou quatro acusações. Teriam bastado. Mas, é como eu dizia, nunca os ouvi discutir. Nunca os ouvi rir.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Sim sim

Sim, tens razão, não me consigo controlar. Mas sei abrir uma ficha e endireitar os fios e a máquina de costura volta a funcionar. Sei que se deve piscar muito os olhos, assim disfarçadamente para evitar as lágrimas. E se bocejar muitas vezes também é possível desfazer nós na garganta. Não sei ser amiga de todos e não respeito opiniões. Não, não respeito. Algumas são mesmo estúpidas. Mas sei coser botões e tirar nódoas de gordura da roupa e instalar programas no computador que ficam mesmo instalados e eu nem sei como o fiz. Não sei isso de agradar à multidão e desconfio que são mais os que não gostam dos que o que me amam. Sei não me importar com isso. Sei como medir o óleo do carro e a pressão dos penus e desde que o pai morreu tenho-me lembrado de encher o depósito da água. Não da destilada, como devia ser. Mas confio. Sei isto, confio em coisas sem ciência alguma. Às vezes, é pela fé que vou. Pois, não sei amar a direito, mas a minha máquina de lavar rouoa funciona bem, porque eu limpo o filtro e nunca chamo o canalizador e quando o lavatório entupiu, fui eu que o arranjei e tu sabes que mudo a disposição dos móveis sozinha. Pois, essas coisas de que falas, eu não sei como as fazer, confesso. Mas recuperei o PC. Uma fronha de almofada, dois quilos de arroz. E sei fazer carne no forno com castanhas e embrulhos bonitos. E que primeiro se fala com o senhor da funerária e se escolhe um caixão e uma roupa branca e que só depois, só depois, e isto é para reter, se pode ficar triste. Sei como nunca contar coisas importantes que nos doem e contar outras que não dizem nada de nós, ficam assim por cima a disfarçar. Sei fazer isto. Não, não sei isso da sinceridade brutal, porque às vezes não quero ser sincera. É como secar roupa no secador, um mundo de truques, que agora não vou contar. Tens toda a razão, sei fazer isto, toma lá, podes ficar com a razão.

domingo, 13 de maio de 2012

Conta-me tudo

Não, meu amor, não são as coisas absolutamente feias que aconteceram, aquilo em que nos cortámos, há sempre feridas e quedas e desilusões nas relações com as pessoas. Não, meu amor, não é isso de contradições, de me parecer que te amo absolutamente ou de te parecer a ti que me odeias para lá do tolerável. Isso é uma parvoíce. Nunca nos odiámos. Sofremos ambos, que é toda uma outra coisa. Não, meu amor, não sinto saudades das coisas que talvez aches que deveria sentir saudades ou daquelas que todos, quase todos, sentem. Claro que me lembro era todo um horror perder-te era toda uma calamidade deixar de te ver era tanto sangue à nossa volta. Meu amor meu amor meu amor, do que sinto saudade é dessa certeza absoluta. Faz-me falta essa certeza absoluta. Dessa ingenuidade que não é ingenuidade nenhuma. Que não é paixão. Que não é pele nem carne. Que está para lá do ciúme. Uma certeza qualquer que me abandonou e eu não sei se é de ti se é de mim se é da vida. É só disto que tenho saudades. O resto, faz-se.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Chorar bonito

Quase todos os meus amigos são pessoas que se emocionam. O que é, para mim, um constrangimento, porque não sou pessoa de me emocionar com lágrimas. Tenho este defeito. Explicarei, talvez, por que é um defeito. Esses meus amigos são gente que eu amo e que nunca percebo o que esperam de mim quando têm lágrimas nos olhos. Antes pensei que pudesse ser por pudor, que não sabia lidar com essas lágrimas. Mais tarde, pensei que pudesse ser por incapacidade de sentir. Mas era mentira. Porque eu sinto. Fiz então contas: o M, de lágrimas tantas, a L, a M, a outra M, a C, o P, e tantos outros. Nunca puderam contar com muito da minha parte, quando choram. Eu pego no carro e vou lá às duas da manhã, limpo-lhes a casa de fio e pavio, roubo dinheiro se preciso for, fico horas ao telefone mesmo que não possa, trago pêllos de gato na roupa, mesmo que isso me irrite. Estas coisas eu faço. Mas quando esta gente que eu amo, se emociona, fico sem palavras. Se calhar sou cobarde. Às tantas, fraca. Com o passar dos anos, fui aprendendo a dar a mão, até posso ensaiar um abraço, mas temo sempre que percebam o meu desconforto. Gosto tanto de vocês caramba. Mas essas lágrimas que descem devagar, eu não sei o que fazer com elas. Passem--me o prato que eu lavo, vou ali ao café e trago uma cerveja geladinha, digo parvoíces para vos fazer rir, gozo comigo a torto e a direito, mas fico afastada dessas lágrimas. Porque não as sei chorar. O choro em mim é uma avalanche, nunca é um choro limpo. Chorei demasiado no tempo em que devia ser proibido chorar. Quando choro, choro muito. Não sei chorar devagar. Nem pouco. Essas lágrimas são bonitas. Por isso é que não as entendo.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Verão em nós

Ai o Verão dentro do peito, tudo azul nos olhos fechados, cheiro a mar, ondas salgadas nos pulmões, vestidos curtos, pernas morenas, desenhos estúpidos e felizes nas costas. O Verão dentro das unhas, areia fina nos ouvidos, nada a temer, sujos de pó, a receber o vento. Ai a tranquilidade de não se esperar e tudo acontecer. Acordar cedo e as molas vermelhas na roupa a dançarem com o sol, cheiro de coco no pensamento. Ai o Verão, cá dentro, que eu já esqueci.

terça-feira, 1 de maio de 2012

No meio de nós

Não mereço todo o teu amor (mereço todo o teu amor). Esse amor tão a sério, vertical, como uma coisa escrita. Esse amor que é. Quando o meu amor é estas ondas e um vulcão e às vezes nada de nada. Não mereço os teus olhos cheios de medo porque eu não tenho medo nunca tive não é de ti nem do teu amor que tenho medo. Não mereço todo o teu amor (mereço todo o teu amor). Como é que posso ser eu a tocar na tua pele se eu às vezes não sou eu? Se entre mim e a chuva não existe nada e entre mim e ti existo eu? Não mereço todo o teu amor (mereço todo o teu amor: não posso partir porque me amas, não posso ficar porque me amas). Se entre nós existo eu, como faço para merecer todo o teu amor, eu, que não mereço todo o teu amor?

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Total

Tem medo e só desconfia. Não sabe. Do chão de madeira a arder e da tua bota a apagar o fogo que ardia cá por dentro. Ela tem medo e não sabe do meu vestido azul e de que não há como vencer o tempo da inocência. Como não sabe das escadas, das esquinas, átrios de prédios, de um terraço enorme sobre o rio eterno. Ela não sabe que não pode destruir o que viveste. Que te não pode arrancar da ponta dos dedos a textura e do interior da língua, o sabor. Contaste-lhe dos gatos? Da mobília partida? Ela não sabe que o início está em nós, a parte mais bela, a única que vale a pena. Nada pode. Nada podes. Nada podemos. Ela não sabe de tudo isto e quer esmagar o que não é palpável. Enquanto não me perdoares, ela não pode nada. Na tua incapacidade de perdão, está a verdade.

S.

És metade do meu tamanho. Dá-me mais jeito secar-te o cabelo se estiveres sentado. E, hoje, fechei os olhos e senti o teu corpinho pequenino dentro de mim. Passou todo este tempo e não passou tempo algum. Quero vestir-te umas calças minúsculas, mas o que mais desejo é que caibas no meu abraço, sem que sobrem pernas e braços. Já não te posso chamar bebé. Tu não te importas, mas tenho de te deixar crescer. Sussurro para que não oiças: bebé, bebé, bebé, meu bebé. Sais a correr do ATL e contas-me coisas de amigos e inimigos que depois ficam amigos. O meu ar de parva deve confundir-te. Talvez me aches estranha. Sempre que olho para ti eu sei que as tuas mãos cresceram, eu sei que agora és um menino que refila comigo e que me diz: "Mãe, tu não sabes jogar", mas aqui no meu coração tu és sempre do tamanho com que nasceste. Continuo a cheirar-te, sem que percebas. E a chamar-te, em segredo, bebé.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Liberdade

É preciso muita coragem para ser livre. Nem imagino. Só sei isto que sei. Que ainda me sinto presa, e vivo, dizem, num país livre. É preciso mais para que exista Liberdade. Só quando todas as portas estiverem abertas. É preciso ser livre por dentro, para criar liberdade lá fora. Eu olho e vejo-os (por vezes também lá estou), agarrados séculos às mesmas coisas. Nunca somos, nunca seremos completamente livres. Quanto mais um país. Cresci num tempo livre onde caminhavam pessoas com coisas ainda por esconder. O meu avô, que era poeta e escrevia "puta de liberdade que me arrancou da terra que eu amava". O meu avô que era colonialista e racista. E que tinha medo que alguém lesse o poema. E que lhe roubassem a reforma. Por causa dele, sou de Esquerda. E, ainda assim, foi livre, que eu sei. Ai a liberdade. Tão difícil.

domingo, 22 de abril de 2012

Domingo de danos

Não gosto de Domingos. Ninguém me ensinou a gostar de Domingos e eu não o aprendi a fazer sozinha. Não gosto de passear aos Domingos, não gosto de restaurantes aos Domingos, não gosto dos filmes de Domingo, não há nada que eu goste nos Domingos. Aos Domingos tudo fica mais pequeno. O som dos sinos da igreja entristece-me, espero não morrer a uma sexta-feira, não há nada mais deprimente do que enterrar alguém ao Domingo. A semana devia começar ao Domingo. Gosto de sextas e de sábados. Até gosto de quintas, mas os Domingos plantam-me um salgueiro-chorão no peito. Aos Domingos não há sorriso ou energia que resistam. Dizem que é dia de descanso, mas é quando tudo o que é triste se agiganta. Ñada me descansa, tudo me atormenta. Domingo é a ressaca. Ao Domingo toda a gente se vai embora. Domingo são as despedidas, Domingo é a cama vazia de novo, Domingo é a verdade. Ao Domingo, lembro-me, chegávamos todos à cidade e à medida que o rio se aproximava da janela do comboio, aos poucos a segunda-feira ia surgindo, e tudo parecia melhor. Mas, para trás, tinha ficado todo o horror da despedida, a mala feita à pressa, alguém que não se queria despedir. Na partida, querendo ir, deixei sempre alguém de coração destroçado, à espera de uma sexta. A fugir de um Domingo. Não gosto. Nunca me ensinaram. Nunca aprendi.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

...

Olha Pai, é assim, hoje é dia de saudades. Ele levou a tua foto, alguém disse que estava a ficar desbotada e que o papel e que o tempo e não sei o que mais disseram. Só me lembro que fiquei a pensar em todas as fotografias que não tirámos. Tenho-as aqui, vejo-as dentro da minha cabeça, mas preciso delas, precisava de as mandar emoldurar. Preciso de tirar fotografias, vou começar a tirar fotografias de tudo, mesmo que, depois, doa mais. Olha Pai, podes explicar-me por que é que sempre que sonho contigo, sei que tudo mudou? Que és tu sem seres tu? Não podias viver nos meus sonhos? Tem de ser sempre assim... nunca falas, olhas-me com um ar tão triste e distante. Estás triste? Estás zangado? Se eu te pedir, podes falar comigo? Não, não tem de ser hoje. Um dia destes, podes viver no meu sonho? Ainda não acredito, não digo isto a ninguém, porque é estúpido, mas não acredito. Um dia destes bates-me à porta, eu sei que sim. Vou ter mesmo de viver o que resta da minha vida sem te poder contar mais nada? Correu tudo mal Pai, deves saber que correu. É por isso que estás zangado? Desculpa.

Casa

Ainda não tinha 19 e já sentia saudades de casa. Já me tinha ido embora há tanto tempo. Saudades do pão. Da alcatifa. Da cama torta. Do café que fechou. Se soubesse, então, que me restava só mais uma década, teria ficado mais tempo. Tenho tantas, tantas saudades de casa.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

De fora do coração

Gente miudinha sem coragem de dizer um Não, de ouvir um Não. Gente das nove horas, do obrigadinho, do não vou dizer o que acho de ti meu pindérico porque eu sou muito educado. Gente do durmo doze horas porque preciso incapaz de dizer durmo doze horas porque me apetece. Gente da diplomacia barata do ai se me levam a mal. Gente assim por todo o lado. Gente assim, até, vejam bem, no amor. Gente que magoa por não dizer de frente, gente que não sabe, que puxa o tapete devagarinho. Vamos a ter coragem. Venha de lá o murro na cara. Gente cobarde para dar um empurrão, gente com preconceitos a não ser que seja para a fotografia. Gente da discussão enquanto está nos copos, do nada no terreno. Gente cheia de medinho, que quem tem medo grita. Gente da roupa em segunda mão para que se veja e afinal tem nojo, gente da diferença que se borra de medo se entra em bairro mau. Gente de fora, que é sempre de fora, de fora do coração. Gente que me aperta a garganta pela incapacidade de se engrandecer. Que não sabe nada. Que continua sem saber nada. Gente que não vê. Gente que anda carregada de livros e de programas da TV que repete o que os outros dizem. Gente que olha para o céu e quer voar, mas que sejam outros que arrisquem. Que caiam estes. Gente que cresceu mal. Gente que nunca vai crescer.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Limbo

Somos como irmãos, almas atravessadas. Não sabemos nada um do outro, andamos perdidos, vivemos de encontrões. Não acreditamos. Bebemos imperiais e dançamos como se fosse possível, como se existisse lugar para o vazio. Ouvimos música. Quando nos despedimos, esperamos nunca mais nos encontrar. Somos irmãos. E inimigos. É o limbo que nos une.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Senta-te aqui ao pé de mim

Nunca estarás longe. Desde então, desde as ruas de Alfama, das sardinhas e da cerveja, desde que me ensinaste coisas como caminhar nesse vosso mundo, um mundo ao qual eu pertenci por momentos, o mundo que me ofereceste de bandeja e que eu recusei. Não, nunca estarás longe, porque moras dentro de mim. Eu tenho um Anjo; Não, ele não usa a força; Usa uma luz; Com que ilumina a minha vida.

quarta-feira, 28 de março de 2012

ORH+

Sou do mato, sou da rua, do fogo, da gente, sou do chão, do acampamento, da água clara sou do povo de cima de baixo sou da ave que morre sem sobressalto sou daqui que é este lugar cheio de pedras partidas não sou de ninguém não me pertenço sou tua se me deslumbrar. Um dia. Só posso ser tua um dia. Sou da verdade sou da mentira bonita que poupa sou da confusão do meio do nada da mala no chão sou da terra e do Verão. Sou da guerra da luta do sangue sou do alto do grito da música sou da repetição. Sou do mundo da casa do campo da estante do pó da noite do dia de óculos de sol. Sou do escuro da tarde do copo na mão da sombra da luz quando estou feliz sou dos meus. São sempre meus, mesmo quando já não estão.

terça-feira, 27 de março de 2012

Obrigada.

Tenho de ser grata só posso ser grata. Obrigada por me teres atirado ao chão antes de começar a andar. Por tudo isto e mais isto ainda: obrigada por me teres mostrado a vergonha, a desilusão, o horror, a saudade, a distância, os montes que são grandes como duas luas, existem sempre duas luas no mundo das crianças mesmo quando elas crescem. Quem viveu muito tempo triste sem se aperceber tem duas luas nos olhos. Tenho de ser grata. Sou grata por ser deste tamanho, por segurar esta mão, por me ter surpreendido, por todos os comboios, pelas malas grandes e vazias. Pela dor. Eu sei tudo isto. Como sei que os lençóis de flanela ficam muito húmidos em casas velhas.
Tenho de ser grata. Porque em dias de sol, porque em dias de morte, porque em dias maus e tão maus eu sei que o meu lugar é outro. O que nos carrega, nos transforma, nos agiganta é qualquer coisa que aprendemos: a luta que nos define.
O que me faz continuar, a mim, é algo entre o instinto e o amor.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Vida

Pagamos sempre a dobrar. Ouçam o que vos digo, que nisto de pagar eu sei, eu pago, sempre paguei. Pagamos todos. Às vezes não entendemos, mas há uma justiça qualquer, porque a energia de que somos feitos, essa energia é uma corrente e se a quebrármos, quebramo-nos com ela. Acredito na justiça das coisas, por isso nunca enlouqueci de vez. Enlouqueço devagarinho, pelo tempo que demora. Mas cada vez custa menos. Tem dias. Começo a achar que envelhecer, que tem tudo de mau, pode ter isto de bom: comprei o bilhete e agora vou sentar-me na bancada mais alta e ficar a assistir.
Espero que seja um bom espectáculo.

Sono

Comove-me tanto a ternura entre os que não se amam. Devia ser assim o amor: nenhum medo de perder. Devia ser assim o amor: ciúmes por graça, perguntas por cortesia.
Eu, que conheço a culpa, não quero saber. Eu, que conheço histórias, não quero contar.
Devia ser assim o amor: a simplicidade de um andar alto aonde não sei se quero ou se irei voltar. O amor devia ser isto e nunca é isto. Porque isto é Primavera, sem a esperança, ou Outono, sem a tristeza. O amor nunca é descanso. E eu adormeço sempre melhor quando não amo.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Porquê?

O que é que se diz a alguém que nos invade? A alguém que durante anos construiu uma imagem de nós que não somos nós sendo verdade que aquilo que somos é toda uma vida que passa? O que é que se pode dizer a alguém que ano após ano, que vez após vez, nos invadiu a vida, nos espiou a privacidade, que entrou na nossa cabeça, nas nossas conversas, no mais íntimo de nós, sem nos pedir? Sem sequer nos conhecer?

Eu tinha um blogue, antes deste. Chamava-se Verdade ou Veneno. Um dia desapareceu. Como foram desaparecendo senhas de entrada em sítios pessoais, onde está a minha vida, os meus segredos, as minhas dores, amores, o meu filho, a minha família, os meus amigos. Quem pode assim roubar um coração? Assaltar uma vida?

Ontem, quando percebi que afinal não era o mundo da Web a pregar-me partidas, ontem quando percebi que fui invadida e violada no íntimo da minha vida, fiquei sem palavras. E, depois, fiquei triste. Queria ter sentido raiva, mas não consegui. A tristeza foi como uma casa a esmagar-me inteira. Porque quem me assaltou, nada sabe de mim. Porque quem me invadiu nunca soube nada de mim. Porque quem o fez, nunca percebeu o quadro inteiro.

Há quinze anos atrás eu tinha um amor. O meu primeiro amor. Aquele com quem se vive tudo pela primeira vez. Aquele que é o amor e amigo, que é o amor que traz amigos, que nos constrói, o que nos ensina tanto, com o qual aprendemos tudo: a felicidade plena, o êxtase, a desilusão, a traição, a culpa, a verdade de muitas coisas que se aprendem quando se estabelecem compromissos. Quando o amor se foi, tudo voou. O passado voou. Esse amor de cinco anos conheceu outro amor e construiu outras coisas, como eu construí. O resto é a vida. Tive tantas saudades. Nunca do amor, que conheci outros e melhores, mas do que vivi. Tive tanta pena de nunca mais o conseguir recordar ou partilhar. De não nos podermos rir das parvoíces. Mas tive outros amores, tantos e melhores.

E o amor do meu ex-amor, que não me conhece, que nunca soube nada de mim, a quem eu quis tanto pedir um dia que o fizesse feliz, que acreditasse naquele jeito frio, mas profundo, do meu ex-amor. Alguém que deveria parar e contemplar aquilo que herdou, que devia acordar feliz pelos dedos compridos no seu cabelo, pela lealdade que eu sei que o meu ex-amor é capaz de sentir, pela paz e por tantas outras coisas que não vou dizer, esse amor do meu ex-amor, arrrombou a minha vida. Entrou no meu mundo. Virou tudo ao contrário.

Passaram dez anos. Já não me lembro sequer bem do rosto dele. Não sei nada da vida dele. E a pessoa com quem ele dorme sabe tudo da minha vida. À força. Sem me perguntar.

Foi há DEZ anos. Passaram dez anos. Foi há uma vida.

Será ódio? Será dor?

Não sei.

Sinto isto: Porquê? Porquê eu? Porquê a minha vida?

Espero que te sintas feliz com a minha miséria. Ou com o meu brilho.

sábado, 17 de março de 2012

Mecânico

Eu tenho uma casa de enfeitar, um coração de enfeitar e os meus dedos são de porcelana. A minha voz de aparelho tão mal sintonizado um dois três eu ouço o esforço das minhas pernas e tenho borboletas cinzentas pousadas nos ombros. Tudo acaba e nada acaba. Tudo continua e nada continua. Através dos outros olhos através dos outros que passam, não vejo nada. Pi pi pi é a única coisa que sei. Às vezes tento ouvir os meus passos na terra molhada mas só consigo perceber a lama. Não quero que o senhor do café fale comigo e o indiano da mercearia está sempre a dizer coisas que não compreendo. Digo-lhe Bom Dia e é como se fosse uma bomba a explodir no meio dos pacotes de leite. Ninguém vê, mas o passeio é uma catástrofe. Depois as minhas palavras perdem-se digo muitas coisas, até me rio. Plantei morangos e não sei plantar morangos. Adormeço em pé, vivo a dormir ou então demasiado acordada. Não gosto das calças de ganga à minha frente, não quero cruzar-me com pessoas e elas aparecem em todos cantos como cogumelos. Gosto tanto de pessoas mas é por gostar delas que não quero estar com elas. Tenho vizinhos cheios de sorrisos e não gosto de lhes abrir a porta. Tenho uma casa de enfeitar e dedos de porcelana. Se vires as borboletas, sacode-as do meu ombro. Obrigada.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Eu espero

Existem tragédias que não levam apenas quem partiu. Foi sempre disto que eu tive medo: de perder gente para o sofrimento.

Espero que regresses.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Esqueci-me de te enviar

Pai,

Vou seguir os teus conselhos. Melhorar o meu feitio. Poupar mais. Ter paciência. Sorrir. Ser humilde.

E vou-te provar que conseguirei dar a volta por cima. Fazes-me tanta falta pai.

Vou ficar feliz com pequenas coisas. E comprar chocolates em forma de joaninha para o meu filho. E vou sentir-me sempre grata pelo tempo que passei contigo. E por não teres sofrido, na hora da tua partida.

Amo-te pai.

Crueldade quotidiana

Da primeira vez é como um ataque. Reagimos após o choque. Atiramos com tudo: pedras, tempestades, valentias, jogo sujo, que não há maneira de dizer branco no meio do carvão. É um escuro sítio de finos galhos espetados no coração. Depois de os partirmos, ficam sementes de madeira cá por dentro. São elas que nos apodrecem. Que te apodrecem. Da segunda vez sentamo-nos numa cadeira e ficamos a pensar. Leva dois minutos. Aparecem então os troncos e arrombamos portas, convocamos amigos, existem lágrimas mas são curtas e sem sabor algum. Em desassossego quebramos janelas e explodimos com ruas. E apesar disto, do Carnaval que montamos, é tudo essa farsa. Acreditamos. E, da terceira vez, entre os gritos roucos existem bocados de carne morna e nauseabunda, olhamos em frente e aquele rosto é irreconhecível. E o que sentimos é irreconhecível. Este é o tempo de todas as convulsões. Como um vulcão vomitamos a incredulidade e o terror de ainda ser tudo verdade. Vencidos pelo medo, as palavras continuam duras e cortantes mas se prestares atenção há todo um velório em fundo, onde entram pessoas que falam baixinho e as velhas carpideiras são as vozes a fazer eco dentro do nosso coração. Irão continuar por muito tempo a fazer-se ouvir e apesar de tudo o que vier depois, há ali uma parte que nunca se resgata. Das outras vezes, choramos apenas. Dormimos. Se houver sol vamos à rua e, como zombies, deixamos cair chaves de casa, entornamos o café, não atendemos telefones e adiamos coisas tão importantes como a vida.
Da última vez, não existe um único som. Não restou nada para partir, carpir, fazer sumir, acreditar, vangloriar, entontecer, chantagear, derrubar, contrariar, virar à esquerda será o mesmo que virar à direita. Uma ou duas lágrimas por precaução, só para ter a certeza.
Da última vez estamos imunes. E é quando estamos imunes à dor que sabemos que estamos igualmente imunes ao amor.
É um longo caminho que acaba à saída do supermercado ou enquanto estrelamos um ovo.

domingo, 11 de março de 2012

Não sei

"Eu sempre me preocupei contigo. Tu és uma guerreira e tenho medo que alguma coisa corra mal". Um amigo, com o qual não me cruzava há uma vida, disse-me isto e foi como se me atravessasse. Ele quer mudar o mundo, quer construir pessoas e sociedades. Ainda.
E, ontem, olhando para trás, lembrei-me e quando ele me disse que é bom saber-me igual eu quis dizer-lhe que nada mudou e que tudo mudou.
Ontem foi um dia bom.
Ontem foi um dia mau.
Não sei.