quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Amizade

Não sei o que pensar de 2011. Fui obrigada a mudar de casa e de vida, a apenas uma rua de distância. Este foi o ano em que os candeeiros ficaram por pendurar até Dezembro. Este foi o ano cru. Duro de roer, de entender, que acaba em renovação. Este foi o ano em que vi tanta gente sofrer que até me esqueci do que sofria eu. Foi um ano de amizade e isto é de recordar sempre. Terá sido um ano de amor, mas agora ainda é cedo para dizer. O amor tem de ser entendido à distância e estamos todos demasiado próximos.
Este foi o ano em que os meus amigos perderam perderam perderam, e eu perdi com eles.
Foi um ano duro. Tenho um coração. E liberdade. Tenho esta gente que seguro que me segura que se confunde em mim. Tenho um coração. E liberdade.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Meninos

Estou apaixonada por todos os meninos de 5 anos, porque o meu menino tem cinco anos. São todos meus. As mães olham para mim com desconfiança quando, na rua, me dobro para ficar ao nível dos rostos desses rapazinhos e desato a falar de carrinhos e Navegantes da Lua e Beyblades. Até eles ficam espantados. Mas não resisto. Estou apaixonada pelas mãozinhas, pelas palavras, pelo jeito. O meu menino está em todos eles e eu não consigo ficar indiferente. E depois quero dizer: eu tenho um igualzinho a ti. Cinco anos depois ainda dou por mnim deslumbrada com a existência do meu. Acho que isto nunca vai passar. Chama-se felicidade.

Exagero

Um dia destes fico igual. E não quero saber. Vou encolher os ombros e escrever uns textos. A ver se passa. Quero ver como é que fica tudo isto, sem plateia. Um dia destes levanto-me da cadeira e deixo que falem sozinhos. Mais: vou dizer ainda pior e olhar apenas o lado negro de tudo o que aconteceu. Um dia passo-me para o lado de lá. Quero ver como é que fica. Um dia deixo de fingir que injustiça não é isto deixo estar o cafezinho e fico amarga. Acrescento: escrevo num papel, ergo uma bandeira, entalho em madeira os adjectivos maus, as lembranças tortas. Um dia destes cuspo no prato que comi, mergulho no lado do lodo e chispo. Um dia destes componho uma canção que diga tudo e os vizinhos virão perguntar quem gritou. A ver como é que é. Um dia destes digo que não tenho paciência que é tudo uma chatice entorno os sentimentos nos copos de tasca e estilhaço os de cristal. Um dia destes fico cega sem óculos graduados que me valham passo ao largo na rua esqueço o nome da lista telefónica. Avanço: pisco os olhos muitas vezes e digo que não sei quem é. Um dia destes dou uma de gigante com as minhas pernas com luzes a piscar até que desapareça. Um dia destes calo-me e escrevo sobre a crise. Ou faço franja.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Ainda

É que me tem morrido gente. Ela disse que as coisas agora já não tinham a mesma piada. Eu sei e ela sabe. Foi só por isso. Porque me custa fechar as luzes e dizer que se acabou a festa.
É que me tem morrido gente à toa. Assim de esquina, a doer a galope. Têm acontecido palavras que não dizíamos.
Não encontro as palavras. Ainda.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Eu tu ela nós os outros

Estas mãos não são minhas, como nenhumas foram. O que é que está dentro das pessoas? O que dirão de nós? Nunca me interessei realmente por aquilo que pensavam de mim e a quem lhe chame coragem eu prefiro chamar cobardia. Depois teria de pensar sobre isso. Colocar-me em questão. Posso chamar-lhe preguiça. Ou liberdade. Estás a ver, podemos ser tantas coisas e nenhuma delas ser verdade.
Gostava de te fazer rir. Nunca te riste muito. Esqueci-me que isso te poderia fazer feliz. Se entras em guerra, depois, é tudo demasiado pesado. Mas sabes bem que mesmo em guerra eu teria rido do meu sangue a jorrar. Mas não tu. Sabes, tenho a certeza absoluta de que noutra ocasião que não fosse esta de me amares, me irias adorar. Sou sempre mais fácil a meio gás.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"Mais uma ficha, mais uma volta"

Eu quero dizer isto que envelhecer é horrível. Que o pior dos anos passarem é que se perde tudo tudo. Não se ganha nada. Quero lá saber da sabedoria, quando eu, que não sabia, vivia melhor. Perdem-se pessoas, sonhos, vontades, crenças. Quero não saber de nada outra vez. Ser a tonta do sítio. É melhor ser a tonta do sítio. O pior de envelhecer não são as rugas e a corrida que já custa. Também é. Mas não é por aí. De repente somos todos crescidos e esqueceram-se de dizer coisas como saudade desilusão e conformismo. Esqueceram-se de me avisar que quando souber alguma coisa vou preferir não ter sabido de nada. Não me venham com argumentos vãos. Prefiro fazer amor pior entender mal não perceber o quadro inteiro. Prefiro ter dúvidas porque há certezas das quais abdico. Abdico de saber que há pessoas que já não voltam. Quero-as aqui, não me pacifica que estejam num lugar melhor. Não sei se existe um lugar melhor, também não quero saber de nada disso. Quero tudo aqui outra vez. Não sou só eu. Mesmo os que acreditam em tudo, preferiam não ter perdido nada. Nem ninguém.
Isto de envelhecer é mau, é muito mau. Construímos coisas mas as que se destroem são infinitamente mais perturbadoras. Sabemos coisas. E então? Não me esfreguem na cara o valor das coisas. Eu sempre soube o valor das coisas. Não preciso de perder tudo para dizer olha isto é que era. Quando se está bem, está-se bem. Não tenho de viver mais 40 anos para saber quando é que estive bem.
Envelhecer devia ser proibido. Não tem graça. Não faz bem a ninguém. Não percebo o objectivo. Sentem qualquer pessoa mais velha numa mesa e perguntem-lhe. Arrisque-se ir até ao fundo. Elas que falem. Vá, que por uma vez se diga a verdade.
Não saber é um descanso. E eu estou simplesmente muito cansada.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Traças

Ontem estendia a roupa na corda, o meu amor em fogo lento era como um crepitar: Primavera em pleno Inverno. Ontem o miúdo abria prendas havia sonhos e projectos e por três ou quatro dias houve janelas novas em casas arruínadas. Devíamos saber. Nós já devíamos saber que somos da raça dos vendavais que somos das rugas junto aos olhos porque estamos sempre a rir, porque nos habituámos à desgraça. Houve sempre corpos no chão? Mas ontem os meus amigos tinham sonhos e não uma eternidade para recordar e chorar e na nossa mesa de repente já faltam tantos. Pior: faltam os livres. Os que nos faziam pensar que se eles conseguem nós vamos atrás. Os que viviam sem rédeas. E nós, como traças. Agora, que se apaga a luz, que ontem é já outra vida (outra vida), que olhamos para trás e começamos a ter medo. E temos esta pena tamanha. E esta revolta. E mesmo raiva. Digo raiva. Perdoa-me porque me apetece bater com portas, atirar com coisas ao chão. Descculpa não ter lágrimas, não existir nó, não conseguir ficar triste. Estou em brasa, um fogo que me queima os braços, por isso ando dobrada. Estou cansada. Durmo com o coração torto e tenho mil mortos a inundarem-me os sonhos.
A pouco e pouco, os melhores, vão ficando do lado de lá. E nós cá. Como traças. Havemos de chorar e de contar as mesmas histórias vezes sem conta. Não haverá novas histórias. Ontem éramos todos tão novos. Ontem éramos tantos.

...

O que é que eu lhe digo? O que é que eu lhe digo que não seja mentira se é tudo mentira? Digo-lhe isto que sei que vai ser sempre a doer o que é que eu lhe digo a ela à minha amiga à minha irmã como é que lhe explico que vai doer, que não percebo nada que continuo à toa? Falo-lhe daquelas saudades que nos acordam a meio da noite, falo-lhe disso? O que é que lhe digo, hoje, que o amor dela morreu?
Quero falar-lhe do início lembras-te eu sei que te lembras. Quero falar-lhe da praça e da casa com muitos quartos quero contar-lhe dos cães e do café do Zé. Quero encontrar-me com os dois à entrada do bar quero dizer-lhe a ele que me fazia rir que me fazia rir que sempre me fez rir. Principalmente quando só queria chorar. Quero dizer-lhe obrigada por tanta coisa por ter sido livre. Por ter morrido livre. Quero dizer isto ao amor da vida da minha amiga. Quero que me diga, ele, como é que fazemos agora. O que é que eu lhe digo? Tu, que sabias sempre o que dizer, volta cá, diz-me ao ouvido o que é que eu lhe digo?
E se eu lhe falar da casa de baixo? Na altura do meu menino ainda na barriga? Se eu lhe falar do meu coração a bater a doer a explodir a ser culpa a pedir perdão. No dia do acidente. Se eu lhe falar de quando tudo podia ser. Quando hoje já nada pode ser.
O que é que eu lhe digo sobre a verdade da morte que não entendo, que leva sempre os que sabem o que dizer quando nos dói tudo assim? O que é que eu lhe digo?

sábado, 10 de dezembro de 2011

Quotidiano

Esfrego o chão e arrumo a roupa há tanto amor estendido na corda. A vida passa em todos estes dias e também estes dias são a vida. Não sei se quero um amor que não sabe a cor das molas da minha roupa.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Ser humano

De uma estranha maneira acabamos por fazer tudo bem. Caímos ali, estamos cheios de dúvidas, quebramos mas afinal não estamos quebrados. Descobrimos isso em conversas sem importãncia, percebemos que ensinámos o essencial, que afinal fizemos tudo bem, que todo o propósito foi certo. Sabemos disso quando nos dizem que o menino é o melhor amigo do outro menino que nunca tinha tido um amigo. Percebemos isso quando o menino não tem medo dos esfarrapados, dos loucos, dos que usam chinelos no Inverno. A eles se chega o menino, porque viu, porque sabe, que entre nós e os outros há tanto mais do que roupa e cabelo e regras e ordens.
O meu menino é dos sorrisos. O meu menino é das carícias. O meu menino acha que o louco da nossa rua é o Pai Natal (dá-lhe carrinhos, usa uma barba comprida, suja e branca, claro que é o Pai Natal).
O meu menino fica chateado com quem refila comigo. Mas perdoa. Sempre. Somos uma equipa, um exército inteiro. Somos da pele sensível, somos do colo e da preguiça. Do vento e da terra.
O meu menino,que desenha sempre o pai e a mãe e ele próprio num papel, o meu menino que nunca viveu a três, aprendeu isto: que a nossa casa é onde está o nosso amor. Que uma folha branca é o coração e não o espaço.
A querer e sem querer, fazemos tudo bem. E, por muito tempo, eu não vou pedir mais nada.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Para o P.

Estás enganado. Para que escrevas, a dor tem de ser amena, a meio termo. Tal e qual a alegria. Tudo o que tocar no extremo será difícil de decompor. Se te esfrangalhas não podes dizer nada: há um lugar onde as palavras não existem, só uivos. Se for demasiado, apenas encontrarás folhas em branco. Irás fugir de tudo isso. O luto pressupõe que a carne rasgada se esteja a fechar. Por isso é que se chama luto. Antes disso e, às vezes, depois disso, não há talento arte ou condição que te valha. Não há nada. O mais assustador é esse vazio que te entra pela boca, te tolhe a língua, te mói os músculos. Abres e fechas a boca e dizes coisas como Bom Dia ou Boa Tarde e elas são o teu último esforço. É preciso que passe o tempo. Esse ditador e usurpador. Só depois. Então.
Como a alegria. Não penses que em chamas te páras para dizer. Só quando a água arrefece. Até lá, enquanto ardes, só podes sentir. E esperar que o fogo se aquiete para que possas contar.
Na dor e na alegria, até que a vida te separe. Mas, isso, tu já sabias.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A casa construída

Era tão longe, havia tanta estrada e eu corria esse caminho comprido como quem pisa areia assim cansada e feliz como se fosse praia apesar do teu casaco preto com fechos. E um dia havia uma mensagem com esta música onde nascia uma casa e nos intervalos das palavras todos esses acordes eram certos, eram certos, eram certos. Por isso é que eu saltava. Tu nunca me viste saltar em frente ao espelho azul. Se tivesses visto, hoje chamar-me-ias alegria. Mas não viste então e eu só te posso contar e esperar que acredites que importa. A verdade é a única coisa que não precisa de plateia.
Que importa, não vês que não importa que se ouvires com atenção que te lembras que houve essa casa... para ti... para mim.

Ainda é cedo

A senhora olhava para mim e via uma criança não percebe e eu não lhe posso explicar. Como dizer-lhe que a paixão é violenta mas que o contrário pode violentar? Então eu, assim grande na pequenez com que ela me define, sorri.
Eu não quero ter uma quinta, sabe? Não quero ter um cabelo como o seu, sabe?
Podia dizer-lhe que pretendo ser livre dentro de mim. Não disse, porque ela não ia entender.
E contou outra vez a história e apontou os papéis arrumadinhos e falou das coisas que não podemos ter sem rastejar. E falou de arrependimento. E de outras coisas como se eu as não soubesse, as não tivesse visto já.
Senhora, eu já paguei esse preço. A escolher um dono, que seja a fome, não a coleira.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Carris

Ele tem mãos de cliché e um cabelo assim que ninguém entende. Gosto das roupas de cores lisas e neutras porque isso é tudo aquilo que ele não é, olho-o e vejo uma cornucópia. Toquei-lhe assim no lenço do pescoço ao de leve e nesse espaço rápido nesse tempo curto que demorou a minha mão a ultrapassar os centímetros de ar que nos separavam quis dizer coisas inteiras e disse. Disse-lhe que a curva dos seus olhos disse-lhe que os ombros que também encolhe disse-lhe que não tenho medo que nunca tive contei-lhe do Verão e do Inverno do mar zangado e das janelas abertas que dão para uma árvore que tapa uma linha de caminho de ferro. Cresci junto a comboios, como não acreditar que ele é também a minha casa?