quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Amizade

Não sei o que pensar de 2011. Fui obrigada a mudar de casa e de vida, a apenas uma rua de distância. Este foi o ano em que os candeeiros ficaram por pendurar até Dezembro. Este foi o ano cru. Duro de roer, de entender, que acaba em renovação. Este foi o ano em que vi tanta gente sofrer que até me esqueci do que sofria eu. Foi um ano de amizade e isto é de recordar sempre. Terá sido um ano de amor, mas agora ainda é cedo para dizer. O amor tem de ser entendido à distância e estamos todos demasiado próximos.
Este foi o ano em que os meus amigos perderam perderam perderam, e eu perdi com eles.
Foi um ano duro. Tenho um coração. E liberdade. Tenho esta gente que seguro que me segura que se confunde em mim. Tenho um coração. E liberdade.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Meninos

Estou apaixonada por todos os meninos de 5 anos, porque o meu menino tem cinco anos. São todos meus. As mães olham para mim com desconfiança quando, na rua, me dobro para ficar ao nível dos rostos desses rapazinhos e desato a falar de carrinhos e Navegantes da Lua e Beyblades. Até eles ficam espantados. Mas não resisto. Estou apaixonada pelas mãozinhas, pelas palavras, pelo jeito. O meu menino está em todos eles e eu não consigo ficar indiferente. E depois quero dizer: eu tenho um igualzinho a ti. Cinco anos depois ainda dou por mnim deslumbrada com a existência do meu. Acho que isto nunca vai passar. Chama-se felicidade.

Exagero

Um dia destes fico igual. E não quero saber. Vou encolher os ombros e escrever uns textos. A ver se passa. Quero ver como é que fica tudo isto, sem plateia. Um dia destes levanto-me da cadeira e deixo que falem sozinhos. Mais: vou dizer ainda pior e olhar apenas o lado negro de tudo o que aconteceu. Um dia passo-me para o lado de lá. Quero ver como é que fica. Um dia deixo de fingir que injustiça não é isto deixo estar o cafezinho e fico amarga. Acrescento: escrevo num papel, ergo uma bandeira, entalho em madeira os adjectivos maus, as lembranças tortas. Um dia destes cuspo no prato que comi, mergulho no lado do lodo e chispo. Um dia destes componho uma canção que diga tudo e os vizinhos virão perguntar quem gritou. A ver como é que é. Um dia destes digo que não tenho paciência que é tudo uma chatice entorno os sentimentos nos copos de tasca e estilhaço os de cristal. Um dia destes fico cega sem óculos graduados que me valham passo ao largo na rua esqueço o nome da lista telefónica. Avanço: pisco os olhos muitas vezes e digo que não sei quem é. Um dia destes dou uma de gigante com as minhas pernas com luzes a piscar até que desapareça. Um dia destes calo-me e escrevo sobre a crise. Ou faço franja.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Ainda

É que me tem morrido gente. Ela disse que as coisas agora já não tinham a mesma piada. Eu sei e ela sabe. Foi só por isso. Porque me custa fechar as luzes e dizer que se acabou a festa.
É que me tem morrido gente à toa. Assim de esquina, a doer a galope. Têm acontecido palavras que não dizíamos.
Não encontro as palavras. Ainda.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Eu tu ela nós os outros

Estas mãos não são minhas, como nenhumas foram. O que é que está dentro das pessoas? O que dirão de nós? Nunca me interessei realmente por aquilo que pensavam de mim e a quem lhe chame coragem eu prefiro chamar cobardia. Depois teria de pensar sobre isso. Colocar-me em questão. Posso chamar-lhe preguiça. Ou liberdade. Estás a ver, podemos ser tantas coisas e nenhuma delas ser verdade.
Gostava de te fazer rir. Nunca te riste muito. Esqueci-me que isso te poderia fazer feliz. Se entras em guerra, depois, é tudo demasiado pesado. Mas sabes bem que mesmo em guerra eu teria rido do meu sangue a jorrar. Mas não tu. Sabes, tenho a certeza absoluta de que noutra ocasião que não fosse esta de me amares, me irias adorar. Sou sempre mais fácil a meio gás.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

"Mais uma ficha, mais uma volta"

Eu quero dizer isto que envelhecer é horrível. Que o pior dos anos passarem é que se perde tudo tudo. Não se ganha nada. Quero lá saber da sabedoria, quando eu, que não sabia, vivia melhor. Perdem-se pessoas, sonhos, vontades, crenças. Quero não saber de nada outra vez. Ser a tonta do sítio. É melhor ser a tonta do sítio. O pior de envelhecer não são as rugas e a corrida que já custa. Também é. Mas não é por aí. De repente somos todos crescidos e esqueceram-se de dizer coisas como saudade desilusão e conformismo. Esqueceram-se de me avisar que quando souber alguma coisa vou preferir não ter sabido de nada. Não me venham com argumentos vãos. Prefiro fazer amor pior entender mal não perceber o quadro inteiro. Prefiro ter dúvidas porque há certezas das quais abdico. Abdico de saber que há pessoas que já não voltam. Quero-as aqui, não me pacifica que estejam num lugar melhor. Não sei se existe um lugar melhor, também não quero saber de nada disso. Quero tudo aqui outra vez. Não sou só eu. Mesmo os que acreditam em tudo, preferiam não ter perdido nada. Nem ninguém.
Isto de envelhecer é mau, é muito mau. Construímos coisas mas as que se destroem são infinitamente mais perturbadoras. Sabemos coisas. E então? Não me esfreguem na cara o valor das coisas. Eu sempre soube o valor das coisas. Não preciso de perder tudo para dizer olha isto é que era. Quando se está bem, está-se bem. Não tenho de viver mais 40 anos para saber quando é que estive bem.
Envelhecer devia ser proibido. Não tem graça. Não faz bem a ninguém. Não percebo o objectivo. Sentem qualquer pessoa mais velha numa mesa e perguntem-lhe. Arrisque-se ir até ao fundo. Elas que falem. Vá, que por uma vez se diga a verdade.
Não saber é um descanso. E eu estou simplesmente muito cansada.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Traças

Ontem estendia a roupa na corda, o meu amor em fogo lento era como um crepitar: Primavera em pleno Inverno. Ontem o miúdo abria prendas havia sonhos e projectos e por três ou quatro dias houve janelas novas em casas arruínadas. Devíamos saber. Nós já devíamos saber que somos da raça dos vendavais que somos das rugas junto aos olhos porque estamos sempre a rir, porque nos habituámos à desgraça. Houve sempre corpos no chão? Mas ontem os meus amigos tinham sonhos e não uma eternidade para recordar e chorar e na nossa mesa de repente já faltam tantos. Pior: faltam os livres. Os que nos faziam pensar que se eles conseguem nós vamos atrás. Os que viviam sem rédeas. E nós, como traças. Agora, que se apaga a luz, que ontem é já outra vida (outra vida), que olhamos para trás e começamos a ter medo. E temos esta pena tamanha. E esta revolta. E mesmo raiva. Digo raiva. Perdoa-me porque me apetece bater com portas, atirar com coisas ao chão. Descculpa não ter lágrimas, não existir nó, não conseguir ficar triste. Estou em brasa, um fogo que me queima os braços, por isso ando dobrada. Estou cansada. Durmo com o coração torto e tenho mil mortos a inundarem-me os sonhos.
A pouco e pouco, os melhores, vão ficando do lado de lá. E nós cá. Como traças. Havemos de chorar e de contar as mesmas histórias vezes sem conta. Não haverá novas histórias. Ontem éramos todos tão novos. Ontem éramos tantos.

...

O que é que eu lhe digo? O que é que eu lhe digo que não seja mentira se é tudo mentira? Digo-lhe isto que sei que vai ser sempre a doer o que é que eu lhe digo a ela à minha amiga à minha irmã como é que lhe explico que vai doer, que não percebo nada que continuo à toa? Falo-lhe daquelas saudades que nos acordam a meio da noite, falo-lhe disso? O que é que lhe digo, hoje, que o amor dela morreu?
Quero falar-lhe do início lembras-te eu sei que te lembras. Quero falar-lhe da praça e da casa com muitos quartos quero contar-lhe dos cães e do café do Zé. Quero encontrar-me com os dois à entrada do bar quero dizer-lhe a ele que me fazia rir que me fazia rir que sempre me fez rir. Principalmente quando só queria chorar. Quero dizer-lhe obrigada por tanta coisa por ter sido livre. Por ter morrido livre. Quero dizer isto ao amor da vida da minha amiga. Quero que me diga, ele, como é que fazemos agora. O que é que eu lhe digo? Tu, que sabias sempre o que dizer, volta cá, diz-me ao ouvido o que é que eu lhe digo?
E se eu lhe falar da casa de baixo? Na altura do meu menino ainda na barriga? Se eu lhe falar do meu coração a bater a doer a explodir a ser culpa a pedir perdão. No dia do acidente. Se eu lhe falar de quando tudo podia ser. Quando hoje já nada pode ser.
O que é que eu lhe digo sobre a verdade da morte que não entendo, que leva sempre os que sabem o que dizer quando nos dói tudo assim? O que é que eu lhe digo?

sábado, 10 de dezembro de 2011

Quotidiano

Esfrego o chão e arrumo a roupa há tanto amor estendido na corda. A vida passa em todos estes dias e também estes dias são a vida. Não sei se quero um amor que não sabe a cor das molas da minha roupa.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Ser humano

De uma estranha maneira acabamos por fazer tudo bem. Caímos ali, estamos cheios de dúvidas, quebramos mas afinal não estamos quebrados. Descobrimos isso em conversas sem importãncia, percebemos que ensinámos o essencial, que afinal fizemos tudo bem, que todo o propósito foi certo. Sabemos disso quando nos dizem que o menino é o melhor amigo do outro menino que nunca tinha tido um amigo. Percebemos isso quando o menino não tem medo dos esfarrapados, dos loucos, dos que usam chinelos no Inverno. A eles se chega o menino, porque viu, porque sabe, que entre nós e os outros há tanto mais do que roupa e cabelo e regras e ordens.
O meu menino é dos sorrisos. O meu menino é das carícias. O meu menino acha que o louco da nossa rua é o Pai Natal (dá-lhe carrinhos, usa uma barba comprida, suja e branca, claro que é o Pai Natal).
O meu menino fica chateado com quem refila comigo. Mas perdoa. Sempre. Somos uma equipa, um exército inteiro. Somos da pele sensível, somos do colo e da preguiça. Do vento e da terra.
O meu menino,que desenha sempre o pai e a mãe e ele próprio num papel, o meu menino que nunca viveu a três, aprendeu isto: que a nossa casa é onde está o nosso amor. Que uma folha branca é o coração e não o espaço.
A querer e sem querer, fazemos tudo bem. E, por muito tempo, eu não vou pedir mais nada.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Para o P.

Estás enganado. Para que escrevas, a dor tem de ser amena, a meio termo. Tal e qual a alegria. Tudo o que tocar no extremo será difícil de decompor. Se te esfrangalhas não podes dizer nada: há um lugar onde as palavras não existem, só uivos. Se for demasiado, apenas encontrarás folhas em branco. Irás fugir de tudo isso. O luto pressupõe que a carne rasgada se esteja a fechar. Por isso é que se chama luto. Antes disso e, às vezes, depois disso, não há talento arte ou condição que te valha. Não há nada. O mais assustador é esse vazio que te entra pela boca, te tolhe a língua, te mói os músculos. Abres e fechas a boca e dizes coisas como Bom Dia ou Boa Tarde e elas são o teu último esforço. É preciso que passe o tempo. Esse ditador e usurpador. Só depois. Então.
Como a alegria. Não penses que em chamas te páras para dizer. Só quando a água arrefece. Até lá, enquanto ardes, só podes sentir. E esperar que o fogo se aquiete para que possas contar.
Na dor e na alegria, até que a vida te separe. Mas, isso, tu já sabias.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A casa construída

Era tão longe, havia tanta estrada e eu corria esse caminho comprido como quem pisa areia assim cansada e feliz como se fosse praia apesar do teu casaco preto com fechos. E um dia havia uma mensagem com esta música onde nascia uma casa e nos intervalos das palavras todos esses acordes eram certos, eram certos, eram certos. Por isso é que eu saltava. Tu nunca me viste saltar em frente ao espelho azul. Se tivesses visto, hoje chamar-me-ias alegria. Mas não viste então e eu só te posso contar e esperar que acredites que importa. A verdade é a única coisa que não precisa de plateia.
Que importa, não vês que não importa que se ouvires com atenção que te lembras que houve essa casa... para ti... para mim.

Ainda é cedo

A senhora olhava para mim e via uma criança não percebe e eu não lhe posso explicar. Como dizer-lhe que a paixão é violenta mas que o contrário pode violentar? Então eu, assim grande na pequenez com que ela me define, sorri.
Eu não quero ter uma quinta, sabe? Não quero ter um cabelo como o seu, sabe?
Podia dizer-lhe que pretendo ser livre dentro de mim. Não disse, porque ela não ia entender.
E contou outra vez a história e apontou os papéis arrumadinhos e falou das coisas que não podemos ter sem rastejar. E falou de arrependimento. E de outras coisas como se eu as não soubesse, as não tivesse visto já.
Senhora, eu já paguei esse preço. A escolher um dono, que seja a fome, não a coleira.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Carris

Ele tem mãos de cliché e um cabelo assim que ninguém entende. Gosto das roupas de cores lisas e neutras porque isso é tudo aquilo que ele não é, olho-o e vejo uma cornucópia. Toquei-lhe assim no lenço do pescoço ao de leve e nesse espaço rápido nesse tempo curto que demorou a minha mão a ultrapassar os centímetros de ar que nos separavam quis dizer coisas inteiras e disse. Disse-lhe que a curva dos seus olhos disse-lhe que os ombros que também encolhe disse-lhe que não tenho medo que nunca tive contei-lhe do Verão e do Inverno do mar zangado e das janelas abertas que dão para uma árvore que tapa uma linha de caminho de ferro. Cresci junto a comboios, como não acreditar que ele é também a minha casa?

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

REM

Então hoje não vieste? Senti a tua falta entre as costelas senti a tua falta no dia que foi lento e rápido (sabes como é, umas coisas assim devagar outras que nem notas e outras que num instante). Hoje não vieste sim sim eu sei virás quando for demasiado, entrarás nos intervalos da minha mente, será tudo um truque eu vou pensar que era tudo um truque alguém vai dizer que é porque te sinto a falta outros que é porque pensei em ti mas eu sei, como tu sabes, que é toda uma outra coisa. Porque quando tu vens é no limbo que permaneço como se tocasse esse outro lado uma vertigem um colapso do raciocínio um pressentimento quqluer coisa que não tem expolicação como o estômago revoltado depois da montanha russa. Como se me tornasse transparente. Sei sempre, quando tu vens, que não devias cá estar.

Jornada

Quando acordaste não querias ir. Eu também não. As janelas ficam sempre paradas quando saímos de casa? Sinto pena das minhas janelas tenho saudades delas, quero trazê-las comigo, andar vestida com o tapete da sala, ter as paredes do quarto dentro dos olhos e as cortinas do banho enredadas no cabelo. Quero sair de casa e trazê-la comigo. Isto aqui fora é demasiado violento, as pessoas causam-me ataques de pânico, não é que trema não é que fuja mas apetece-me sempre voltar para casa lá onde está o cheiro da minha pele. E da tua. Enquanto aqui estou neste quadrado que não sou eu estás noutro quadrado que não és tu e no momento em que, pela manhã, as nossas mãos se separam eu sei que vai passar uma vida inteira até voltarmos para casa. Às vezes, nunca mais voltamos.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Portas e janelas

Então deixas assim recados depois de uma noite cheia de sonhos. Ele fala de uma chave. E está triste. Tenho por companhia os mortos que me visitam. Quando é que voltas para casa? Percorres noites infindas de músicas e há abutres a rondar, parece que adivinham ou então sabem das coisas. As que eu não sei. Quando é que voltas para casa? Imagino essas rondas diurnas e nocturnas, custa-te o mesmo e não te custa nada. Tem a ver com bandeiras e com sentimentos. Tem a ver com estradas e buracos de obras nas bermas. Cais ou não cais. Caímos. Estamos deitados ou ainda a caminhar. Quando é que voltas para casa? E apressas o passo, por que é que é preciso correr tão depressa se já sabemos para onde ir? Vai devagar, a certeza não é uma flecha julgo que seja um violino. Doce. Não me digas que é amarga a decisão. Quando é que voltas para casa? Ainda assim não percebo o porquê de tanta raiva na ponta das pestanas, a escorrer para dentro dos olhos. Não precisas de nenhuma desculpa (sabias?), ninguém tem de justificar um passo. Quando é que voltas para casa?

domingo, 27 de novembro de 2011

Massa e coração

Tão pouco o necessário
Para encontrar um lugar de paz
Está na manteiga
na farinha
e no açúcar
na raspa de limão
porque não há baunilha
Tão pouco o suficiente
para sermos capazes de acreditar
Quem faz bolachas de manteiga
Pode mudar o mundo.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

S.

O meu menino tão doce o meu menino que me faz as perguntas normais as correctas que é um malandro que tem tudo para me levantar o coração ao céu que é uma noite estrelada uma manhã de esperança. Que é assim de pele clarinha assim de maõzinhas quentes como devem ser as mãos de todos os filhos do mundo. Como eu queria, como eu queria ter olhos de luz. E paz. Por ele.

O teu nome

Tu, que dizes que eu não sei escrever coisas felizes. Escrevo o teu nome: Miguel e quem sabe de ti percebe que esta palavra assim escrita é alegria. Da pura e genuína. De todas as coisas que valeram a pena, de todas as cidades que já percorri, existe uma que tem um rio e que tem um nome maior que a amizade que tem todas as coisas que nunca te disse mas que tu sabes: meu irmão, meu amigo. Gosto tanto, mas tanto de ti.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Na jangada

O meu amigo diz-me que é preciso esperar que a tempestade passe. O meu amigo é mais um daqueles que podia morar na casa das pessoas infelizes, ele, que é feliz e não sabe. Somos todos. Esse meu amigo que é tão infeliz (diz ele) ao ponto de ter um sorriso que se torce todo porque não quer sorrir que tem assim um coração valente, mas disfarça sempre, esse meu amigo cheio de fugas e manias que lê muito e que escreve e que me faz rir. Faz-me rir tanto. Nesta jangada, já somos dois, ó tu que esperas que a tempestade passe.
Enquanto o vento me abana seguro-me a esta gente que espera igualmente. Faço como os velhinhos: alimento-me das memórias. Podem tirar-nos tudo, menos aquilo que já vivemos.

sábado, 19 de novembro de 2011

A Rua dos 4 caminhos

As tuas malas são pesadas. E eu não tenho nada para dizer. Sei bem que irá tudo dobradinho e nenhuma nódoa te irá envergonhar do outro lado, quando as desfizeres. Continuo sem nada para te dizer. Sei que terá sido preciso uma noite longa para que partisses, tu que não gostas de ir a lado algum.
Não te esqueças das memórias, leva os retratos (já os guardaste?). Podia ter-te pedido para ficares, gostava de te pedir para ficares, mas aqui há o teu desalento. E eu sei que, longe, tudo recomeça.
Espero que a tua partida não decida o fim daquilo que somos e fomos. Espero que regresses em paz. Que, por fim, consigas esquecer. E isto que te desejo, sabes bem que é tudo, minha irmã.

sábado, 12 de novembro de 2011

Eu

Esta paixão, esta paixão. Houve um tempo em que esta paixão me enchia as veias e eu era um anjo de prata. Fui um anjo de prata. Tu, que viste, diz-me onde deixei as minhas asas, o que fizeram à fogueira onde eu ardia sem me importar?
Este chão que me comia os pés, eu, com dentes em todo o lado do corpo, a minha gargalhada que rasgava a mais funda dor que houvesse, a minha esperança, a espada que eu era.
Tu, que me viste. Quando é que deixei de me cortar?
Eu, que soube todas as danças do mundo, que fui uma labareda, menina, esposa, filha, mulher, mãe, amigo, pai, puta, inocente, cristã e pecadora, crente e deslumbrada. Que fui as vozes de toda a gente, na minha pena?
Tu, que me viste escrever, onde é que guardei a minha pena?
Eu, que aceitei a anormalidade da minha pura e cristalina paranóia, que venci o medo e a vergonha dentro do meu corpo pequeno, que descobri – tão cedo – para onde me guiavam as pernas. Que soube, desde o início, onde ficava o meu lugar. Que fiz eu à minha mais verdadeira loucura?
Quando voltarei a arder? E por quanto tempo?

Crer

Existem alturas em que temos de acreditar acreditar acreditar. Quando nada resta, quando nos caem as paredes e se esfrangalham os alicerces, quando não há nenhuma saída. Há quem lhe chame fé. Que seja. Eu acredito.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Esperança II

Tenho andado por aí. Passo pelas ruas como se fosse outra de mim, finjo que não roubo ao sonho esta vida tonta de circunstância. Agora tem de ser assim. Até que descambe. Até que um milagre. Sabe-se lá. Às vezes os teus lábos repousam nos meus ombros e por breves momentos tudo é algodão doce. Depois a chuva e o frio e as tragédias e a avó tão longe num lar. Todas as promessas a que falto. É. Tenho andado por aí. A ler as almas que admiro, sem lhes dizer nada. Tenho esta secreta certeza que se não disser nada é como se este mau bocado não existisse. Chama-se esperança. E vale tudo.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Suave

Fala baixinho, não me levantes assim a lembrança das coisas más, pára de dizer o mesmo ainda que eu o tenha dito já. Ouve-me para lá da defesa desses argumentos que no fundo só cimentam a ausência só garantem a distância. Não fazem nada por nós. Fala baixinho, porque se eu me agiganto, vai-nos doer aos dois.
Fala assim ao de leve, mesmo das coisas que custam. Pousa os braços em cima da mesa: descansa-os e descansa tu. Estamos todos um bocadinho exaustos e se falares baixinho custa menos recomeçar.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Essa verdade

A menina do café não sabe o que se esconde por trás das nossas pestanas fechadas. Piscamos os olhos e no momento em que as pálpebras descem há todo um Inferno e há um mar de recordações que a menina do café não pode entender. Entendemos nós, a custo. E, para falar toda essa verdade que é necessária, também nós - até nós, vê bem - não entendemos. Calamo-nos. O arroz e as batatas do almoço confundem-me. Era tão simples. Deveria ser sido simples.
Recuso-me a acreditar que destruímos um império para isto: para que algo tão mesquinho quanto os espectadores possa decidir o que fomos e o que somos.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Tum tum

Sabes tu o que é preciso para continuar a sorrir-te e a dizer as coisas que te digo para olhar para o lado passar por cima dar-te o desconto não amuar tentar compreender estar do outro lado ouvir o que não se quer enervar-me um bocadinho parar a tempo ter paciência deixar de contar os dias e viver em amena vizinhança com a dorzinha que não há tempo nem mais capacidade para a outra, a maior e intensa que desloca o centro do mundo e que nos atira para lugares escuros. Sabes o que é preciso para continuar aqui? Fomos os dois culpados, mas só um de nós se foca no essencial.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Para a minha gente

Canta por mim
E diz-lhes
Que sou
A beleza dos olhos deles
Que tenho
A paz do que me dão
Que continuo
Em nome do caminho
Onde nos cruzámos
E que a minha esperança
tem esses nomes.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Gare do Oriente

Na saída do hipermercado havia o mundo inteiro da tua ausência. Lá dentro, luzes. Cá fora, a imensidão desse cinzento que sempre me incomodou. Na Gare do Oriente encontrámo-nos depois de tantos meses, demos abraços, beijos, contámos segredos, quase chorámos. Vi-te envelhecer nessa estação. Rimos tanto. Carrregámos sacos, ajudámos a avó a subir as escadas. Ali esperei-te tantas e tantas vezes. E perdi-te.
Ontem, ao sair do hipermercado, lembrei-me. Tínha esquecido o desamparo e a confusão que me entontecem por não ter um lugar que te recorde. Estou tão longe da casa. Já não existe casa.
Decidi ficar. De pé, no meio de uma praça escura a olhar para todos os lugares que olhaste, a querer saber de ti, a sentir não só o vazio de te ter perdido, como a desolação de não existir um lugar no mundo onde te possa recordar.
A nossa casa, a casa onde cresci. As tuas coisas. A avenida, a rua, o prédio, a cama, os livros, a escrivaninha, o candeeiro da sala e o tapete. De um dia para o outro tudo desapareceu, como se a tua morte tivesse decidido o fim de uma cidade. Mas, ontem, no meio do lugar cinzento onde te ia buscar, onde fui às vezes estúpida, ingrata e impaciente, naquele lugar que são os teus olhos castanhos, encontrei-te, Pai.
Cá em baixo, o snack-bar onde chegámos a almoçar. Lá em cima as bilheteiras. Lá fora o passeio imenso. Julguei ver os teus passos. Quis chamar-te bem alto. Quis dizer-te qualquer coisa. O chão cinzento e o céu cinzento. Foi tanta a falta de ti Pai. Tão triste estares aqui, neste sítio de Chegadas e Partidas e saber que já não vais chegar.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Saudades

Porque a tua alegria é como uma onda a deslumbrar-me o peito. Fico a olhar-te durante longos momentos e sei que, mesmo que te vás, ficas. Quero-te bem, desse bem que não há. Não sei se é amor, não preciso de nomes para te sentir. Tu também não precisas de um nome para me teres. Agora, que estás longe estes dias grandes, eu bebo da tua alegria quando estamos. E a memória dessa gargalhada segura-me o resto do tempo. Filho.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

É

Precisei de cortar os pulsos ao ódio vezes sem conta até deixar de esgrimir contigo a perfeição.


Até ver, correu mal.

Crer

Já viste isto? Na incerteza, uma vela é um holofote na minha cara. Cega, portanto, vejo escritos inteiros numa página em branco e, nas vozes, discursos impossíveis que não são mais do que o medo das coisas que me apavoram. Coisas que serão nada. Que podem ser nada. Precisava de uma ou duas palavras. É sempre a crença que nos move.

Felizes

As pessoas felizes às vezes têm o cabelo despenteado e não se importam. A água fica gelada no banho e não querem saber. As pessoas felizes passeiam cães minúsculos nas ruas e não estão a pensar em nada de especial. Fazem conversa no café. Perguntam quantos anos tem a criança. As pessoas felizes são simples. Não carregam matemátcas de emoções. Não se enganam no caminho porque se lembraram de uma coisa triste ou porque se assustaram com uma possibilidade.
As pessoas felizes bebem chá.
Gravam programas para ver mais tarde.
Arrumam papéis em caixas.
Têm sempre muito tempo.
Apercebem-se da passagem das estações.
Comemoram datas. Não as riscam do calendário.
Mas isto é só o que eu acho.

Ponto de partida

Vou ali espreitar-me ao fundo. De pés firmes no lugar do início, vou recontar os passos que me trouxeram aqui. Antes do Fim. Antes da Morte. Antes da Saudade. Antes de muitas coisas que haveriam de acontecer e nos enrolar na noite.
Se eu correr atrás de mim, quase que aposto que ainda nos encontro.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Pouco

Antes paravas lá no sítio onde eu te dizia as coisas que não te podia falar. Lias-me. Tentavas perceber. Voltavas atrás na frase e tentavas descobrir-me.
Hoje pensas que já sabes tudo de mim. E, se calhar, sabes. Mas, aviso-te, e este aviso não é uma seta, não te assustes, aconselho-te, ou melhor, conto-te, que existem sempre coisas que não sabemos.
Habituaste-te a esta superfície de mim e a culpa também foi minha. Às tantas, foi exclusivamente minha.
Caminho ao teu lado e há sempre uma rua a separar-me de ti. Enquanto aparas o bigode e arranjas a barba, eu sei coisas que não te digo e dentro de mim continuo a ser eu, sem que tu saibas.
O teu amor, que é uma coisa física mas tão profunda quanto uma raiz. O teu amor que é como uma moldura que eu olho. E tu passas. Fazes os teus trabalhos. Sentas-te a mesas de cafés. Falas com pessoas que eu não conheço, que não me conhecem, que nunca me apresentaste. Não faço questão. Já não faço questão.
Esta é a minha superfície. Não tenho vagar nem oportunidade, de momento, para ser outra coisa.
Mas lembro-me.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Desconhecida

O amor entre duas pessoas é uma coisa estranha. O amor romântico, que do outro não há nada para dizer. Existindo, basta senti-lo. O amor de um pai por um filho. Não há como. É genético, passa pelo cordão umbilical, está na pele, existe por dentro. Falo do amor entre um homem e uma mulher ou entre um homem e outro homem entre uma mulher e outra mulher. O amor entre dois indivíduos que não partilham genes. É duvidoso e tantas vezes mentiroso. Haverá realmente alguém tão bom ao ponto de amar e bastar-se nisso? Alguém que ame tão verdadeiramente que diga: vai-te então se serás mais feliz sem mim ainda que eu te ame, vai-te com ele ou ela, que eu amar-te-ei sozinha sem sofrimento ou com um sofrimento todo ele explicado pelo bem que te quero. O amor entre duas pessoas tem tanto segredo. Tem tanta complicação. Tem tanto de bom como de impossível. Num momento voamos e existem brilhos no que vemos e é impossível amar outro ou outra. Mentira. Amamos a seguir. E amamos outra vez. E não é o mesmo ou a mesma ali. Dizem que, no fim das contas, o que importa é o amor que se sente. Então não somos meras passagens, então não deveria custar deixar partir ou partirmos nós. Se custa e não é amor, há que encontrar outra palavra. Desconhecida.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Não

Não me convidem para almoçar. A minha gente anda triste e não me apetece falar sobre isso. Não me discursem sobre o que está na moda, os folhos que voltaram em força e que o amarelo anda a encher as montras. Sinto-me capaz de esbofetear alguém. Não se sentem comigo à mesa de cafés, que a minha gente está perdida e eu não tenho pachorra para fingir que basta ter fé. É que me ensinaram tudo mal. Não me ponham uma toalha branca à frente com doces de ternura que nestes dias há pouco que me comova. A minha gente está a ficar com rugas antes dos sorrisos. Para onde quer que olhe, os meus amigos estão cansados. Pior: rendidos. Não me contem da dieta, do amante, da professora, da colega irritante. Quero lá saber. A minha gente murcha no metro, é insultada no emprego, sente-se sugada pela ineficácia. Estou com a minha gente, não convosco.

Desajustada

Custa-me escrever, porque não é dor que sinto. Custa-me escrever aquilo que é a vida a pregar rasteiras, a colocar-mne à prova, vezes e vezes sem conta. Já estive cansada e triste. Custa-me escrever porque não é cansaço nem tristeza. Não encontro as palavras para dizer o que não tem nome. Que é a vida a fazer das suas. Todos os dias acordo a acreditar que não, o erro é meu, sou eu que não vejo, não vislumbro, algures por aí está o que não enconbtro. Estou cega. Estarei cega? Custa-me perder as palavras, tenhpo medo de me perder a mim também. Quero falar de amor. De ternura. De verdade. De força. Quero falar de qualquer coisa que não seja a vida a ser o que ela é: esta roleta russa.
Não gosto de escrever sobre o que não entendo.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Tanto

Podia ser quando dizes amo-te que não és de dizer assim como se dizia antes amo-te neste brinde amo-te boa noite vou dormir amo-te obrigada pela roupa que apanhaste da corda. Que tudo isto é amor mas o amo-te, em nós, vem carregado de passado. Do bom. do mau. Do doloroso. Do impossível. Não. Não é quando o dizes. É no momento em que me baixo no supermercado e escolho os bolos para logo à noite. Quando a paz desce em nós no dia-a-dia, quando a aparente normalidade do que poderíamos ser não fosse todo o peso que criámos. É aí: quando desço o corpo, agarro a caixa de bolos e me apanhas num abraço e me beijas o ombro, ou a face. Quando precisas disso. E, apesar de tudo, tenho de dizê-lo, ainda, apesar de tudo, eu sorrio, um sorriso que não tem nada de vitória ou gratidão, zero de lisonja ou meninine, é um sorriso todo ele crença e verdade. A que eu vi. Antes de tudo. Antes de nós. É o que somos no âmago. Apenas isto: amor.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Confissão

Gosto de olhar para as pessoas doces e de as ouvir como se fossem um quadro que eu jamais pudesse pintar. Tal como em criança gostava de assistir às vidas mais banais como se fossem uma música de embalar. Encantei-me pelas bolachas sempre na mesma caixa, pelos cobertores coloridos, pelas gavetas a cheirar a sabonete. Pela eternidade de uma família. Desenhei casas em papel, bolos em papel, meninos e meninas em papel. Quando cresci, fiquei zangada. Começo a achar que ainda estou. Muito zangada.

Pólos

Meu amor eu sei que não percebes o exército de gente que entristeceu e ainda assim parece que não. Os condenados desde o início. Exilados dentro do próprio peito. Meu amor, eu percebo o teu ar de espanto, a tua fúria frustrada porque queres que eu seja como tu que entenda como tu. Mas eu não tenho os teus olhos meu amor. Vi coisas feias meu amor. Como eles viram. Senti coisas que não são boas de sentir. Como eles também. Meu amor, se pudesse teria fingido que não vi, só para te acalmar. Teria pintado um risco azul nas pálpebras para que os meus olhos te fizessem lembrar o Céu e não o Inferno. Meu amor, não posso. Como eles não podem. Meu amor, se tenho amor por ti, é por isto: porque em ti descanso. Sei que não viste. E descanso. Sei que não sabes e descanso. Amo-te por seres menos triste.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Custo

Isto desta vez custa mais, está-me a custar, há muitas lágrimas nos meus olhos e saem, rebentam sem aviso, e eu nem sequer sou assim. Mas, vejam, se choro não é pelo que perdi, é pelo que não dei. Não lhe dei. As minhas lágrimas só caem assim pelo meu ventre.
E oiço ao longe:
"Nós damos a volta a isto".
Estou tonta das voltas. Cansada das quedas. Com o tempo, custa mais recomeçar.